Natureza
Nosso sentido de cortesia
Que o Brasil é um país rico sabemos há tempos e que tem um grande potencial com a força do seu povo, também. Pena que este mesmo povo, sempre foi subestimado, espoliado, relegado a sub-empregos e até mesmo escravizados, desde os tempos da colônia, como ainda agora em alguns locais longínquos, onde o poder público fica também distante.
Mas, aqui mesmo, na cidade conhecida por 'maravilhosa' sentimos ainda um povo explorado, vivendo mal e ganhando pior ainda, locomovendo-se apertados em conduções sujas e superlotadas, trabalhando além dos limites, não deixando de ser ainda uma exploração do ser humano em pleno século XXI.
Ainda ontem, ouvi a conversa entre o empacotador do supermercado e a mocinha do caixa, primeiro falando sobre a virada do ano que foram ver nas praias aqui do litoral. Sim, este pessoal mesmo com dificuldades financeiras ainda encontra tempo para distrair suas cabeças, mesmo que na volta e lá mesmo, sofram com as intempéries e com o desconforto físico, mas vão e falam daquilo de uma forma feliz.
Em seguida a esta pequena descrição do que foram os seus Reveillons, começaram a reclamar da canseira que sentiam por estes dias, dizendo ele que não aguentava mais aquele supermercado porque trabalhavam no mínimo 12 horas por dia e isso o deixava exausto e sem tempo para a vida.
Eu ouvia, enquanto passava minhas compras, e pensava sobre como deve ser difícil a vida para essas pessoas.
Despedi-me do rapaz que empacotou e levou para mim as compras no carro, dando uma gorjeta e desejando que seu ano seja melhor, com uma oportunidade boa de emprego mais justo.
Dali fui para a Rede Hortifruti daqui do bairro que, inclusive já lhes falei aqui e é mesmo um local muito bem arranjado, moderno, com excelentes produtos e um pessoal com cara de mais feliz e atencioso.
Parei ao lado de um desses que arrumava um stand de maçãs e perguntei-lhe onde tinha uma pia para lavar as mãos ou se tinham aquele álcool em gel, pois sou daquelas que não consegue ficar com as mãos sujas e preciso lavá-las quando termino as escolhas dos legumes e frutas.
Mas o rapaz ao qual me referi, não encarou-me, de cabeça semi-baixa, disse-me que não sabia pois era novo ali e aquele era seu primeiro dia. Mas, chamou imediatamente um colega que passava e pediu-o que me informasse. O rapaz mostrou-me prontamente, apontando para o local onde ficavam os novos toilettes, agradeci e voltei-me para o rapaz tímido que eu havia perguntado anteriormente. Disse a ele, com carinho claro, que eu havia aprendido onde ficava o tal lugar. Mas e ele, perguntei-lhe, aprendeu onde ficava para indicar
a alguma próxima pessoa que o indagasse? De olhos baixos e fazendo seu serviço, ficou um pouco aturdido comigo que voltei a lhe dirigir a palavra. O sujeito era mesmo super tímido. Então, expliquei-lhe que, sendo ele novo ali naquele trabalho, importante seria que não deixasse de aprender tudo sobre o local onde trabalhava e que não se restringisse apenas à colocação de frutas nos stands, que aproveitasse para aprender mais, para assim poder interagir melhor com o público que o cerca. Ali, naquele bairro, moram muitas pessoas idosas ou aposentadas que gostam de conversar, perguntar, pedir sempre alguma coisa e, a maioria, é simpática ou falante.
Ele concordou com a cabeça e, meio tonto, procurou o local e apontou-o com as mãos, demonstrando que tinha aprendido sim. Sentindo seu sotaque diferente e um jeito também muito diferente dos demais rapazes que trabalham no comércio daqui, perguntei-lhe de onde era. Disse-me que era recém chegado de Mato Grosso e que estava encontrando muita dificuldade para trabalhar com o público, pois nem todos eram assim como eu, com jeitinho, que se refere a pessoas como ele com clareza e respeito.
Realmente as pessoas não percebem isso. Não percebem que aquele trabalhador simples, fazendo um trabalho comum de repor os produtos num stand, merece ser tratado com gentileza ou um sorriso para que sua auto estima se eleve e ele tenha prazer em trabalhar ali e dar o melhor de si, mesmo que seu trabalho seja o mais simples da vida.
Eu disse-lhe que não era dificil, que ele já havia conseguido um grande feito, que era a colocação dele naquele estabelecimento que é sempre bem selecionado, ali só entra funcionário indicado por um ou outro do mesmo local, por isso a qualidade nos serviços apresentados. Portanto, que ele fizesse de tudo para aprender o que se passa à sua volta, não se ativesse apenas às bancas de bananas ou maçãs, tentasse se sociabilizar através de um bom trabalho e atendimento público. Ele concordou com a cabeça e um olhar meio triste de quem vem de longe para uma cidade grande, sentindo-se um peixe fora dágua com gente que fala rápido e tão diferente, um público tão misto como o nosso, às vezes simpático, outras muito mal educados, sem consideração pelo pobre trabalhador.
Na saída, outro rapazinho, daqui mesmo do estado, mais extrovertido, arrumou as compras na minha super bag que levo para as frutas e legumes (não aceite plásticos), e foi comigo até o carro super falante, dizendo que o ano novo ia ser bom e que tem muita gente nova chegando para trabalhar ali, gente que está vindo de lugares como o Mato Grosso ou regiões que não tem empregos suficientes e que são eles, realmente tímidos, mas que logo, cariocas descolados, iriam enturmá-los e ajudá-los na difícil tarefa de lidar e entender o público.
Dei tchauzinho pro rapaz matogrossense, já com um sorriso nos lábios, e desejei-lhe um feliz ano novo e que não esquecesse de meu papinho rápido com ele por ali, em frente à banca de maçãs, pois na outra semana eu estarei por lá de novo para fazer mais perguntas a ele, quero tentar tirá-lo desta situação de receio por se sentir incapaz para trabalhar por aqui, afinal isto não é tão impossível assim para nenhum ser humano. O que ele precisa mesmo é de auto confiança e um olhar mais amplo para aprender que pode ir mais longe e se soltar. E eu acho mesmo que isso pode se encaixar para todos nós, em nossas inseguranças diante do novo, das dificuldades que a vida e o trabalho nos apresentem.
Se a Terra se tornar inóspita à presença humana, será unicamente porque nós perdemos o nosso sentido de cortesia para com ela e os seus habitantes.
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