Vou de táxi IX
Natureza

Vou de táxi IX




O calor era de fritar ovo no asfalto, portanto sair do ar condicionado do quarto, descer de elevador e chegar à portaria sem ter a certeza de que o táxi marcado para aquele horário já estava lá, era um risco e tanto para uma calorenta que nem eu, e nada interessante ficar ali à espera, pois o hall do edifício, sem ar condicionado, somente com um pequeno ventilador para o porteiro e que não ia achar nada legal ter que dividir comigo aquele seu espaço exíguo. Então, não era o melhor lugar naquela hora.
Mas dessa vez, não houve necessidade, pois ele veio logo me perguntando se eu havia chamado um táxi, porque a motorista já estava lá me aguardando. Feliz da vida, respondi que sim, sim, chamei. Dei tchauzinho para ele e procurei com os olhos a motorista.

Era uma motorista a condutora do meu táxi, e que simpatia! Ficamos logo amigas de infância e, enquanto eu me aboletava meio esbaforida no banco de trás, ela aumentava o ar condicionado sem nem mesmo eu pedir para isso, mas só mulher, neste caso, para entender a outra. Definitivamente, sentimos mais calor do que os homens. Santo ar condicionado, pensei eu! E fomos nós!

E ela disse a frase mais escutada por estes dias - Que calorão, heim!
Respondi com um sonoro "Barbaridade!"
E ela, toda animada, me perguntou: - Este 'barbaridade' é sinônimo de algum lugar, né?
Respondi: Ah não, isto é um hábito de linguagem que peguei do meu marido que morou por alguns anos em Porto Alegre.
Ela foi logo dizendo que era gaucha também, mas que já vivia no Rio há mais de 20 anos, talvez por isso seu sotaque já era mais brando.
E a conversa foi se alongando, ela olhando pelo retrovisor para mim, sorridente, desenvolvemos uma empatia quase que imediata. 
Eu disse a ela o quanto estava surpresa de ver uma taxista por ali, porque na verdade, eu só conheci mais uma que me levou ao aeroporto noutro dia. 

Eu lhe disse que admirava sua coragem, já que esta é uma profissão de algum risco aqui pelo estado.
Mas, ela, como todo taxista, me disse que aquela não era a sua profissão realmente e que só trabalhava de noite, porque de dia ela fazia outro tipo de trabalho, aliás bem mais interessante.
E antes mesmo que eu perguntasse o que era, ela veio logo se intitulando Numeróloga, Taróloga, grande entendedora de energias kármicas e de florais e que não era religiosa, mas seguia certos preceitos budistas.
Puxou imediatamente um papelzinho com suas habilidades profissionais, e me convidou para qualquer dia passar em sua casa para uma consulta. 
Eu ouvindo aquilo tudo, com a cabeça meio enrolada ainda sobre o que pensar deste inusitado encontro, só ouvindo, com um sorriso nos lábios, talvez para parecer interessada.
Daí ela me perguntou se eu acreditava nestas coisas.

Bem, veja bem, eu nem sei o que dizer, mas nunca procurei ninguém para estes serviços, então acho que sou meio cética, respondi-lhe, ainda com meu sorrisinho de simpatia.

Um sinal demorado foi o suficiente para ela me perguntar qual era a data do meu nascimento.

Quando o sinal abriu ela começou a dizer coisas a meu respeito, do tipo:  - Você é uma pessoa boa, mas muito reservada, não se abre fácil e tem um karma na família. Karma este mal resolvido. Seu ano passado foi muito ruim, você ficou doente (fiquei mesmo, mas fiquei na minha, não disse nada) e precisa fortalecer seus Chakras, transmutar o negativo, quem sabe invocando uma chama violeta e blá blá blá blá blá ... mas, pode ser porque você é meio chatinha, muito exigente. Respondi: sou mesmo!

É, pois é, sabe como é né, a vida tem dessas coisas e todo mundo tem problemas na família, de doença, disso e daquilo ... - lá fui eu dizendo para encurtar o papo, e já torcendo para não ter mais sinais fechados pela frente, a fim de chegar rapidinho na rodoviária. 

E, chegamos, ainda bem! 

Minha motorista, numeróloga, taróloga, adivinhadora e outros atributos, percebendo que já estávamos na entrada do meu destino, insistiu que eu entrasse em sua página no Facebook para entender melhor do assunto e, quem sabe, buscar ajuda com a força dos 7 raios com um ritual de fortalecimento para meu equilíbrio mental, emocional e espiritual.

Agradeci, paguei, dei mais um sorrisinho simpático, desejei-lhe bom feriado e saí pro calorão do dia.
Senti-me aliviada, livre e até contente, mesmo com a lufada quente na cara depois de sair do ar condicionado daquele táxi, que mais pareceu-me uma viagem insólita no tempo.

Ah caros amigos, pegar táxi no estado do Rio pode ser a solução, mas é sempre uma aventura!





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