Desembargador do TJDFT, relator do mandado de segurança nº 20099002003954-7, concedeu liminar, no pedido impetrado por parlamentares da bancada do PT, reconsiderando a decisão inicial que havia negado a liminar. O objetivo do pedido é suspender o processo legislativo referente ao Projeto de Lei Complementar nº 46/2007, que estabelece o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal - PDOT.
O magistrado determinou em sua decisão que o Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal solicite a imediata devolução do PLC nº 46/2007, suspendendo sua tramitação até decisão final da ação, reiterando o pedido de informações.
Abaixo segue decisão na íntegra:
DECISÃO
Os impetrantes pedem reconsideração da decisão que negou liminar em mandado de segurança objetivando suspender o processo legislativo referente ao Projeto de Lei Complementar nº 46/2007, que estabelece o Plano de Ordenamento Territorial do Distrito Federal - PDOT. Alegam que os jornais locais noticiaram que representantes do governo local reconhecem que o PDOT destoa dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que regem a matéria, ante a ausência de transparência no detalhamento dos mapas de zoneamento, havendo, ainda, divergência na demarcação do Setor Catetinho. Ocorre que o Projeto de Lei Complementar já foi encaminhado ao Governador, que tem apregoado em declarações públicas a pretensão de sancioná-lo, inobstante a recomendação de veto integral feita pelo Procurador Geral de Justiça do Distrito Federal.
A intervenção do Poder Judiciário no processo legislativo é sempre uma questão tormentosa. Muito se discute se é possível essa intervenção em face da autonomia e independência entre os poderes. Mas, via de regra, mesmo entre os mais empedernidos defensores da autonomia legislativa, se aceita como possível o controle judicial da regularidade do processo de formação das leis, ou seja, a análise que permita saber se que o processo legislativo transcorreu em conformidade com a Constituição e as leis que regulam a matéria, bem assim se obedeceram aos limites traçados no regimento interno das assembléias legislativas.
Eis a lição de MEIRELLLES:
O processo legislativo, tendo, atualmente, contorno constitucional de observância obrigatória em todas as Câmaras (arts. 59 a 69) e normas regimentais próprias de cada corporação, tornou-se passível de controle judicial para resguardo da legalidade de sua tramitação e legitimidade da elaboração da lei. Claro está que o Judiciário não pode adentrar o mérito das deliberações da Mesa, das Comissões ou do Plenário, nem deve perquirir as opções políticas que conduziram à aprovação ou rejeição dos projetos, proposições ou vetos, mas pode e deve - quando se argúi lesão de direito individual - verificar se o processo legislativo foi atendido em sua plenitude, inclusive na tramitação regimental. Deparando infringência à Constituição, à lei ou ao regimento, compete ao Judiciário anular a deliberação ilegal do Legislativo, para que outra se produza em forma legal.
Reafirmo que a matéria é complexa e deve ser analisada com prudência, considerando que o referido Projeto de Lei, conforme a ficha técnica de proposição (folhas 64/68), tramita desde 29/11/2007, quando foi autuado. A Constituição Federal é explícita ao garantir não ser possível, nem mesmo à lei, excluir do Poder Judiciário a análise de qualquer lesão ou ameaça a direito. O Poder Legislativo, apesar de possuir liberdade para deliberar em relação ao processo legislativo, só pode fazê-lo respeitando as normas constitucionais. Portanto, a atuação do Judiciário nesta hipótese não ofende o Princípio da Independência dos Poderes, porque é da essência do Estado Democrático de Direito a necessidade do controle jurisdicional da legalidade dos atos estatais quando invocada lesão a direito.
Superada, assim, a questão da possibilidade jurídica do pedido, resta avaliar se estão presentes os pressupostos da cautela, quais sejam o fumus bonis iuris et periculum in mora.
Quanto ao primeiro pressuposto, tenho como direito elementar de todo parlamentar eleito legitimamente pelo voto popular o de obter informação precisa, abrangente e detalhada de todos os contornos da proposição legislativa que se pretende aprovar. Aliás, a transparência na gestão pública é hoje uma garantia constitucional que favorece não somente aos parlamentares, mas a todo e qualquer cidadão brasileiro, principalmente quando se discute políticas públicas que interfiram diretamente no planejamento urbano e ambiental. Como conceber o exercício da atividade parlamentar em sua plenitude se não for assegurado aos representantes do povo conhecer os detalhes de projetos fundamentais para a vida social?
Os impetrantes afirmam, neste caso, que não tiveram acesso a informações fundamentais sobre o zoneamento estabelecido no PDOT, constante do Projeto de Lei Complementar nº 47/2007, nada obstante sua aprovação e encaminhamento à sanção do Governador pelo Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Afirmam que lhes foi negado o acesso a parte substancial do projeto - qual seja o perímetro delineado nos mapas de zoneamento - apesar dos esforços envidados neste sentido.
Este fato estaria comprovado no pronunciamento do Ministério Público local, por meio da Recomendação nº 01/2009, de 19/02/2009, e n º 03/2009, de 02/03/2009, que recomendou à autoridade impetrada mandar sanar (a) as questões apontadas no projeto substitutivo e nas emendas aprovadas, para evitar incoerências na redação final, e (b) os vícios da falta de delimitação das áreas indicadas de forma imprecisa no PDOT, garantindo a aprovação do memorial descritivo dos perímetros das macrozonas, das zonas e das Áreas de Proteção de Manancial e de Interesse Ambiental com participação popular, assegurada por audiências públicas convocadas com quinze dias de antecedência e divulgação prévia do memorial descritivo, mapas e anexos, com escala cartográfica de 1:25.000.
Portanto, a reclamação de inobservância da Constituição, do Estatuto da Cidade, da Lei Orgânica do Distrito Federal e do próprio regimento da Casa, que asseguram a ampla publicidade e transparência dos atos legislativos e do processo de votação, está respaldada pelas recomendações do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. É inegável, por conseguinte, a fumaça do bom direito.
No tocante ao periculum in mora, admito que, ao despachar a inicial, não a vislumbrei de plano, haja vista que a projeto tramitava desde 2007 e ainda não tinha recebido a sanção do Governador, a quem o Ministério Público recomendara o veto integral ao PLC nº 46/2007, ou, como alternativa o veto parcial às disposições apontadas em anexo "considerando a existência de vícios formais e materiais de inconstitucionalidade".
Neguei a liminar supondo que a matéria retornaria naturalmente à Câmara Legislativa, em razão da firmeza com que o órgão do Parquet apontara as irregularidades e sustentara a necessidade do veto. Entendi, ainda, que o simples pedido de informações, com a cópia integral dos elementos de convicção trazidos nos presentes autos, poderia fazer com que a autoridade coatora, como medida de elementar prudência, reexaminasse a questão com maior cautela e pedisse de volta o texto encaminhado à sanção governamental.
Mas não foi o que aconteceu. O texto continua nas mãos do Governador do Distrito Federal, com prazo para sanção até o dia 28/04/2009, consoante informação do sistema informatizado da Câmara Legislativa (folha 291). Há, portanto, a iminência de uma decisão de governo que poderá inviabilizar o exame mais criterioso do mérito do pedido, no tocante à inobservância das formalidades legais da tramitação do projeto legislativo pelo Poder Judiciário, eis que, uma vez sancionado o projeto, desapareceria a causa de pedir, configurando-se uma forma transversa de negar a prestação jurisdicional reclamada.
Assim sendo, reapreciando, a partir do pedido das partes interessadas, reconsidero a decisão inicial que negou a liminar para agora concedê-la, determinando ao Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal que solicite a imediata devolução do PLC nº 46/2007, suspendendo sua tramitação até final decisão do writ. Reitere-se o pedido de informações e dê-se cumprimento à parte final da decisão de folhas 284/285, COM URGÊNCIA.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 20 de abril de 2009.
Fonte: TJDFT