Ô velhinha faladeira!
Natureza

Ô velhinha faladeira!



Realmente eu tenho um imã que atrai velhinhos e velhinhas.  Mas, a culpa é de mim mesma, porque tenho sempre que estar prestando atenção se não vão se esborrachar de cara nas pedrinhas portuguesas que cobrem as calçadas do bairro em que moro.  Noutro dia mesmo, vi uma dessas senhoras octogenárias com o rosto todo ensanguentado, sentada numa cadeira que outras mulheres que passavam arrumou-lhe para que ela sentasse e a acalmavam enquanto seu marido, também muito idoso, sentado por perto, aguardava a chegada de alguém da família para levá-los ao médico,  pois ela tropeçou em alguma pedrinha solta e cortou o rosto seriamente.  
Ainda bem que por aqui também tem outras pessoas, até mesmo outros idosos que ajudam numa hora dessas.  O mundo está cheio, ainda, de almas bondosas ou tolerantes, meio bocós, como eu.

E foi assim que ofereci ontem à tarde o braço a uma senhora de cabelos branquinhos, magra, esbelta e arrumadinha, com passo trôpego, mas determinado, pois a rua que ela deveria atravessar, era uma curva e entravam carros com uma certa velocidade, por isso temi que ela não conseguisse atravessar rapidamente.
Mas, para meu espanto, respondeu-me que não precisava de ajuda, não, pois ela andava muito bem e tinha muita atenção ao atravessar as ruas desse bairro que, segundo ela, morava há muitos anos e muito bem, há duas quadras da Beira Mar, num belo apartamento.
Engatou imediatamente uma conversa comigo e fomos papeando, quer dizer, ela falava mais que eu, era quase um monólogo, contando que era um absurdo a liminar que uma tal deputada conseguiu como aprovação para aumentar em 100% as tarifas dos estacionamentos dos shoppings por aqui.  Eu nem sabia disso, soube por ela que não parava de tagarelar e me cutucar no braço enquanto falava. 

Mesmo eu percebendo que era um pouco surda, a conversa estava fluindo e durou mais de meia hora, primeiro com a senhora me perguntando quantos anos eu dava pra ela.  Sabe como é, mulher é meio difícil de se dar idade, até mesmo as idosas com cabelos brancos, pois hoje em dia tem muita mulher conservada e era o caso da velhinha que, depois de eu ter errado umas três vezes sua idade, surpreendeu-me dizendo que estava com 88 anos e andava aquilo tudo sozinha mesmo.  Que estava muito bem, afinal sou magra, disse-me ela, sem um pingo de humildade. Que separou-se do marido mulherengo há mais de 43 anos, e nunca mais se casou, achava que todo homem não prestava e que não precisava deles, afinal era rica, tinha muito dinheiro que o pai lhe deixou, portanto homem nunca lhe fez falta.
E desandou a falar da filha unica que era muito bem casada e que tinha três netas, todas muito bem sucedidas e com dinheiro, e que seu avô deixou para seu pai no início do século passado, uma grande fortuna em imóveis.  Inclusive, tinha o maior e mais caro edifício na cidade de Campos.  E virou-se pra mim e perguntou-me, com leve sotaque português: tens lá dois milhões de reais?  Eu não!  Pois ela disse que era este o valor do imóvel que possuia em Campos, fora o apartamento daqui e dali.  Destrinchou um blá blá blá de vaidades materiais e eu ... só ouvindo e rindo, mexendo com a cabeça.  E tudo que falava, que dizia que tinha, era sempre o maior, o mais caro, o melhor.  Até o mausoléu do avô que morreu na terra natal quando de visita ao Porto e teve um enfarto fulminante, sendo lá enterrado e, que segundo a velhinha vaidosa, era o mais rrrrrrrico do cemitério, todo em mármore de carrara e um grande busto de bronze. E ela que nunca voltou à Portugal, pretende ir agora com a neta para rever sua linda Lisboa que tem o maior, o mais bonito e o mais incrível metrô do mundo. Espantou-se comigo quando eu confirmei que era sim, que eu andei nele e era mesmo um lindo metrô, moderno, mas que não sabia se era o mais lindo do mundo, afinal já vi pelo menos dois pela internet que são belíssimos como o da Rússia e da Coréia. Mas, dona Maria, que nunca pisou por lá, insistiu que era sim o mais bonito.  Então tá!

EU MEREÇO!

Para desvencilhar-me da coroa, fui de braço dado com ela, quase arrastando-a, porque queria parar para falar o tempo todo,  até à frente de um shopping que eu entraria, disse-lhe que meu marido esperava-me lá dentro, despedi-me e escapuli-me da dona Maria, grande faladeira e contadora de vantagens. Entrei no shopping, pedi uma água bem gelada e um cafezinho, sentei-me e fiquei pensando naquilo tudo que ela falara nesta meia hora, ali na rua.  E cheguei à conclusão que envelhecer com dinheiro é muito bom, traz-nos conforto, podemos ter um pouco de independência, mas envelhecer daquele jeito, pragmática, sem saber ouvir, sem querer saber dos outros, supervalorizando os seus, suas conquistas materiais, seus bens, intransigente, desconsiderando sempre as demais pessoas. Pergunto-me para quê?  Acho tão bonito as pessoas envelhecerem sem arrogância, superando a ignorância vil, com dignidade e docilidade para que outras pessoas se aproximem com carinho e afeto. 

Acho que frase cai bem para a dona Maria - " Parece um galo, pensa que o sol só nasce porque ele canta."

E tem mais; por pelo menos um mês não vou olhar para nenhuma velhinha do meu bairro para oferecer ajuda para atravessar a rua.  Será que consigo?













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