A Distância entre Nós-parte II
Natureza

A Distância entre Nós-parte II





Gracinha, eu já comentei com vocês aqui algumas vezes, faz faxina para mim todas as semanas.

É uma paraibana, baixinha,
trabalhadora, mãe sofredora, passa roupa também e muito bem, limpa direitinho e quase nunca quebra alguma coisa. Diligente, chega cedo e gosta de sair cedo. Não me importo nem um pouco com isso, acho que o essencial é deixar o serviço pronto e ao meu gosto.


Digo que é mãe sofredora, pois o filho, jovem e já com uma filhinha de meses e uma mulherzinha não muito preparada para formar uma família, vive lá na casa da pobre da Gracinha, encostada e gosta mesmo de umas saidinhas, enquanto o rapaz, filho da Gracinha, está puxando pena numa prisão por tráfico de drogas.
A cara da periferia do Rio e isto agora, bem perto de mim que andei longe, bem longe desses assuntos por anos, longe dessa cidade cantada por Fernandinha Abreu e que é mesmo uma "cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos"!

Mas, como não sou a única a lidar próxima e longe ao mesmo tempo desses problemas, pois não há como se evitar mais isso hoje em dia aqui no Rio de Janeiro, onde a periferia, as favelas, as comunidades pobres, escoam seus tentáculos pelo asfalto e chegam aos condomínios fechados, casas ou comércio. A grande maioria de moradores das favelas, trabalha para o comércio ou para a classe média e aqueles que não se envolvem com a delinquência, vão para as ruas trabalhar de camelôs ou flanelinhas. O que sobra, sem emprego ou sem chance nenhuma, já que o governo atual é contra criança trabalhando ou jovem, antes dos 18 anos, ficam por aí pelos becos, pelas ruas, servindo de aviãozinho para a bandidagem. Antigamente as crianças ajudavam seus pais no comércio ou mesmo em casa, sem problema nenhum, pois é melhor do que ficar sem nada para fazer e encontrar o perigo na esquina dos seus bairros.




Voltando à Gracinha, digo mesmo que é uma ótima pessoa, trabalha com cuidado e não fica "amarrando" o serviço. Adora um café, porque é fumante (só que na varanda dos fundos), então deixo uma garrafa térmica cheia dele e ela passa o dia bebericando o mesmo. Come, ou melhor, engole a comida e uma vez, percebi que come de colher. Deixo-a à vontade na cozinha na hora do almoço, pois julgo que fica meio tímida ao comer perto de alguém, isto porque come estranhamente rápido demais e muita quantidade, mas também não ligo, porque aqui em casa não temos o hábito de minimizar comida para quem gosta ou tem fome.
E não acho justo que ela pague pelo erro do filho, afinal não é porque o rapaz co
meteu este triste delito que ela, coitada, ficará sem o emprego dela aqui em casa. Quando houve o fato, ela chegou choramingando e acabou contando-me, abrindo seu coração de mãe, dividido entre saber que o filho foi para uma prisão e ao mesmo tempo achar certo que ele pague o erro cometido.
Sempre q
ue tenho oportunidade, converso e dou conselhos, pego algum gancho de notícia na tv e troco com ela impressões e idéias, ajudando-a a formar uma opinião sobre os fatos e ocorrências do dia a dia.


Reparo que são pessoas que lá no fundo ainda tem muito de criança, tanta coisa que não sabem e outras sabem muito, como por exemplo, o sofrimento e a discriminação.

Se eu a mandasse embora por conta do que me contou, faria mais uma pessoa desempregada, com raiva de gente e, quem sabe até trocaria de lado na vida também!



Ela, depois que me contou sua tragédia pessoal, percebeu que tinha se aberto muito e, cautelosa, assim como eu, evitamos tocar neste assunto. Mas, é uma excelente diarista e muito honesta.
O seu maior defeito é comer demais mesmo, mas só não deixo ela se esbaldar nos meus pãezinhos de nozes que adoro e compro só prá mim. Então, quando ela vem, escondo-os num lugar onde ela nunca poderá imaginar que está. kkkk

De tanto eu falar para ela que a vida nas grandes capitais torna-se desumana para pessoas como ela e sua família, já que teem que "rebolar" muito para sobreviver a tantos gastos e apelos de compras e necessidades, alimentação e meios de transporte que, por incrível que pareça, para este povo é super caro e desconfortável.
Então, sua nova idéia é voltar para a Paraíba, que, segundo ela me disse, seu pai mora sozinho numa casinha de dois andares na cidadezinha do interior. Garanto que ele mora com muito mais dignidade do que ela, nestas comunidades imundas, violentas e abandonadas. Até para uma pessoa fazer o bem, ajudar esses moradores carentes de favelas, torna-se perigoso, pois como podemos entrar em certos lugares para levar ajuda ou carinho!? Aí reside um enorme problema no estado e entra e sai governo, ninguém percebe o quão valiosas eram as Assistentes Sociais de antigamente que faziam este trabalho com as pessoas desses locais.


Enfim, aí ela veio na semana passada com um pedido para que eu enviasse, em seu nome, uma participação, via internet, para um quadro no programa do Silvio Santos, o cara do baú.
O quadro chama-se "Preciso de Ajuda" e a pessoa tem que deixar todos os dados que eles pedem para que, talvez, num sorteio ou sei lá como eles fazem, chamem a pessoa para participar e ganhar o prêmio que pede, no caso ela pediu $ 1oooo reais. Seria, então, uma boa saída para ir embora daqui para sua terrinha.

Cl
aro que eu me prontifiquei a ajudá-la! Abri o site, entrei no link do programa e fui pedindo os dados a ela. Não sabia nada, nem o número da carteira de identidade!
Aí eu copiei para ela tudo direitinho e falei que me trouxesse hoje para que eu preenchesse os dados corretamente.
Parecia tudo bem, até que esbarramos no problema do CPF, pois ela não tem este documento.
Então, dei as dicas de como ela tem que fazer para tirar o seu CPF e que é um documento importante para que ela possa fazer muitas coisas na vida.

Coitada, não conseguiu inscrever-se no tal programa! Mas eu estou aqui, pronta p
ara ajudá-la se ela trouxer o bendito CPF.

A saga desta mulher é bem parecida com a de milhares que trabalham em sub-empregos como este pelo país àfora e, depois que li o romance indiano A Distância entre Nós de Thrity Umrigar, vi que existem mundos e vidas paralelos neste nosso universo, seja aqui, na Índia, na China, em Angola, na Arábia Saudita, etc... o mundo, neste sentido, caminha junto e cria pessoas com as mesmas desgraças diárias nas sociedades contemporâneas das grandes cidades.


Estamos todos ligados a estas pessoas e ao mesmo tempo separados, apenas por uma fronteira intransponível que se chama destino.






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