Uma invenção como moradia.
Natureza

Uma invenção como moradia.



Numa casinha de telhado inclinado com telhas pintadas de grená, na rua chamada Rua do Encanto, sempre teve uma bandeira nacional fincada lá em cima, muito antes do pessoal mostrar seu amor pela Seleção do Brasil em Copas do Mundo.
 A Encantada, é assim que seu proprietário ilustre deu nome a esta casa construída no início do século XX, para morar e exercitar o prazer de contemplar planetas e constelações do céu que o atraiu por toda a vida, e fez criar a mais impressionante de todas as invenções modernas - o avião, na época chamado Dirigível.

Santos Dumont escolheu Petrópolis para morar por ter o clima agradável a que ele sempre esteve habituado em sua vivência na Europa e, também por ser naquela época, uma cidade no interior do Estado do Rio que juntava as comodidades e boas relações da capital federal aos ares de lugarejo pacato, refrescado pelas chuvas frequentes, em meio à exuberância das montanhas cobertas pela Mata Atlântica. E por aqui se reuniam para descanso e jogos de tênis nos fundos da antiga residência de verão de D.Pedro II, uma lista de frequentadores que incluía famílias como as do milionário mecenas Carlos Guinle, do diplomata Joaquim Nabuco e dos empresários Franklin Sampaio Filho, do Banco Construtor do Brasil, responsável pela eletricidade fornecida à Petrópolis, e Octavio da Rocha Miranda, Presidente do clube e deputado federal que tinha entre seus muitos negócios o nascente filão dos ônibus urbanos da capital da República. (fonte aqui).

Santos Dumont ficava sempre hospedado no Palace, hotel de frente para a Praça da Liberdade, lugar onde podia-se acompanhar a passagem de pedestres em lazer e o vai-e-vem de automóveis, bondes e veículos puxados a cavalo.  Olhando para a esquerda avistava-se um bambuzal esparramado num terreno íngreme, à beira de uma ruazinha que serpenteava montanha acima, a Rua do Encanto, no morro do mesmo nome. E foi aí nesta pirambeira guarnecida pelos bambus, tida como impraticável para uma edificação, que Santos Dumont visualizou seu retiro na serra. E esta empreitada tornou-se uma ideia fixa. Foi atrás do dono do terreno, um negociante de jóias de origem alemã, e ofereceu 10 contos de réis pelo imóvel, mas a oferta foi recusada de imediato, porém Dumont apertou o cerco,insistiu, mas manteve a oferta inicial. O comerciante acabou aceitando e então Santos Dumont pode realizar seu sonho de ter uma pequena 'cottage' na serra verde.

Em cinco meses a casa estava assentada pitorescamente sobre o terreno íngreme, mas não era nenhuma moradia parecida com os ricos casarões da época que ainda sobrevivem na cidade. Pelo contrário, era simples e ao mesmo tempo funcional, bem ao jeito do ilustre morador.

Nesta última semana, estive por lá novamente e sempre me encanto ao ver o interior deste chalé que contém inovações para aquela época e também aconchego com praticidade.
Reparem que na base da construção, o inventor fez uma espécie de porão para usar como oficina e laboratório de fotografia, fechado por sólidas paredes de pedra que dão estrutura ao chalé.
As paredes são todas brancas e contrastam com as janelas verdes, o telhado grená e floreiras nas janelas remetem às fachadas européias.
No cômodo principal da casa ele assentou o espaço central da moradia, todo assoalhado e dedicado a vários usos domésticos, como sala de estar, refeições, biblioteca e escritório.
Ele colocou a imaginação a serviço da economia de espaço, então a escada que dá acesso à entrada da casa, tem os degraus recortados em forma de raquete, terminando num tablado suspenso à frente da porta, com corrimãos de madeira. Como era supersticioso, destinou o primeiro degrau ao pé direito e o mesmo fez com a escada que ligava o primeiro piso ao mezanino. Lá em cima tem o seu quarto de dormir, um banheiro pequeno anexado e uma porta que dá pros fundos do terreno, onde um passadiço fica sobre o vão entre a edificação e o barranco. Por fora da casa, uma pontezinha conduz a um posto de observação astronômica instalado num nicho aberto no telhado. 

 A escada começando com o pé direito para trazer sorte.
 No mezanino, Santos Dumont projetou uma cômoda baixa em formato de L, fixada num vértice da parede junto à janela com vista para o Palace Hotel. Pequeno e esguio, (tinha menos de 1,60 metro e não mais de 50 quilos) dormia num colchão arrumado todas as noites sobre o móvel. Durante o dia, cama desfeita, o colchão era guardado de pé atrás da porta e com muitas gavetas, a cômoda servia também de apoio para o uso do telefone, um modelo de parede, americano da Western Electric.  Ele era um dos poucos moradores de Petrópolis que tinham uma linha telefônica, coisa muito avançada em matéria de comunicações na entrada dos anos 1920. 
Uma lareira no canto e poucos móveis. Na sala, à direita da entrada, ele encaixou no vértice das paredes uma mesa triangular de madeira, para ler e escrever, otimizando o aproveitamento do espaço sem deixar quinas pelo caminho. Debaixo da janela afixou na parede uma mesa de refeições, retangular e estreita para manter livre o centro do cômodo.
Ele não cozinhava no local, mandava vir suas refeições de restaurantes ali perto.
Outra grande comodidade da Encantada era o chuveiro a álcool, novidade num tempo em que a água para banho era aquecida à lenha. O equipamento consistia de um balde perfurado no fundo e dividido ao meio.
Enquanto um dos compartimentos guardava a água fria, o outro recebia a água quente, que passava por um aquecedor a álcool preso à parede e abastecido por um pequeno reservatório do combustível. Por meio de duas alavancas, o morador controlava a vazão de cada parte do balde e dosava a temperatura do banho.


Trouxe para o conhecimento dos amigos esta casa interessante que foi inventada e construída na encruzilhada estética da tradição e da inovação, do passado e do futuro, já que por fora relembra os incontáveis chalés levantados na Europa e em outras partes do mundo, mas por dentro, antecipou-se ao modernismo arquitetônico, indo muito além das concepções de moradias daquela época.
Afinal, a Encantada foi o refúgio para repouso do grande inventor de nossa era moderna, mesmo quando flanava pelo mundo afora em viagens longínquas, mais dia menos dia, voltava ao aconchego da sua querida Encantada.





Hoje esta casa é um pequeno museu aberto à visitação, perpetuando a memória do grande inventor. Fica ao lado da Universidade Católica de Petrópolis e do relógio das flores.
Todas as imagens - Google.










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