50 anos do Golpe Militar, a Casa da Morte e eu quase entrei pelo cano.
Natureza

50 anos do Golpe Militar, a Casa da Morte e eu quase entrei pelo cano.


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Em 31 de março de 1964 eu tinha recém feito meus 11 anos e, imaginem, não sabia de nada do que ocorria pelos bastidores da política e nem queria saber, afinal o meu mundo era cor de rosa, usava uniforme da rede estadual e meias três quartos com sapato boneca para ficar mais bonitinha. Eu odiava o tal sapato preto que era obrigada a usar, o nome era Sete Léguas da marca Vulcabrás e todos usavam, até mesmo as meninas, mas eu sempre gostei de andar na moda e ia com aquele sapato horroroso na mala, mas quando saia da escola, enfiava meus pezinhos no lindo sapato boneca de verniz preto que meu pai me dera de presente no aniversário daquele ano.

Os ares da ditadura militar começaram a ser sentidos nos anos seguintes, quando eu e todos os alunos da rede pública, como soldadinhos bem treinados, cantávamos com ufanismo e mãozinha no peito o Hino Nacional todos os dias antes de subirmos para as as salas de aula. Alternávamos com o Hino à Bandeira, Hino da Marinha, hino disso e daquilo, sem contar as aulas de Educação Moral e Cívica que tínhamos no curriculum escolar. No entanto, apesar de odiarmos aquela matéria, vejo que aprendemos muito com ela, e poderia ser até reimplantada nos dias atuais, de uma forma menos pragmática,  para que os jovens entendessem melhor o que são estas duas coisas na vida em sociedade.
Um dos lemas da época era este abaixo:  
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Meu pai era um pacato cidadão, trabalhador e confuso com a política, gostava de um tal de Carlos Lacerda, mas não era engajado a nenhum partido, não sobrava-lhe tempo para isto, pois tinha que alimentar uma família de 5 bocas num período difícil até mesmo para aqueles mais abastados. Embora não tivesse nenhuma relação com a política da época, sentíamos em casa que algo tinha mudado, não podíamos falar certas coisas em voz alta, nossos pais tinham medo que repetíssemos na escola o que poderia ser interpretado como conspiração e ele, meu pai, sempre dizia que isso ou aquilo a 'censura' não admitia. E eu lá sabia o que era censura?
Tava tudo muito legal pra mim e meus amigos. Os Beatles abriam caminho para uma música e postura mais descontraídas, nos domingos tinha a turma da Jovem Guarda e o máximo de irreverência que fazíamos era gritar 'Quero que você me aqueça neste inverno e que tudo o mais vá pro inferno!" música do Roberto que impulsionou minha geração romântica e alienada.
Com o passar dos anos, descobrimos através das letras veladas de músicas dos festivas da canção, Chico Buarque, Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Gonzaguinha ... e aí uma luz acendeu lá dentro de nossas consciências, então cantávamos em coro "Vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer!"
Entretanto, nos 20 anos que se seguiram depois de 1964, período que ceifou vidas, roubou mentes inteligentes, exilou, sequestrou, torturou, prendeu e arrebentou, matou tantos que poderiam dar o seu melhor para este país, restando, enfim,  um grande gap para todos nós que vivemos aquele período de chumbo, dali nada se aproveitou e os reflexos estão até hoje na democracia ainda engatinhando e agora em crise.

Nunca estive perto do perigo como tantas pessoas daquele tempo, mas um fato que me aproximou um pouco do horror daqueles dias, da maldade e da tortura que viveram os que reagiram à ditadura militar, foi 
já com a abertura, quando estive num dos calabouços deste horror, numa casa chamada "Casa da Morte", em Petrópolis e que, por pouco, não morei na mesma. A história é a seguinte:

Em 1992 meu marido veio transferido para o Rio de novo e não queríamos retornar à cidade, pois tínhamos filho pequeno e queríamos dar a ele a liberdade de morar num lugar tranquilo, numa casa espaçosa e que fosse próximo ao centro do Rio para ficar mais facilitado para meu marido se deslocar todos os dias.
Escolhemos então Petrópolis, cidade serrana dos meus amores, lugar onde fui feliz e tenho até hoje meus vínculos afetivos e uma casa à minha espera nos finais de semana.
Mas, na época, sem conhecermos bem a cidade e se iríamos nos adaptar ao clima, procuramos primeiramente uma casa para alugar e meu marido perguntou aos colegas de trabalho,  se conheciam alguém que tinha casa para alugar na serra.
No dia seguinte, um colega dele, se aproximou e disse-lhe que soube da sua procura e que tinha uma casa para alugar, justamente em Petrópolis. Deu a ele as chaves da casa e no final de semana, subimos a serra, eu, marido, filho e minha irmã para conhecermos a tal casa que estava uma pechincha no aluguel do momento.
No bairro de Caxambú, em meio à linda vegetação do que restou da Mata Atlântica, estava a casa branca de janelas avermelhadas, um muro alto com portão de ferro. Tinha vaga para uns quatro carros na garagem  e uma varanda aberta, debruçada para o verde das altas árvores e virada de costas para a rua principal, o que causava uma certa intimidade para quem estivesse dentro dela. Um lugar lindo, meio isolado e já começando a se cobrir de neblina naquela tarde de verão da serra, coisa muito comum nos lugares bem altos de lá. Os quartos eram amplos, bem decorados, suítes e confortáveis; lembro-me bem da suíte principal com uma cama enorme emoldurada por uma cabeceira em couro vermelho, a cozinha também ampla e o mais intrigante, dali partia uma escada que descia para o porão, meio escuro e que o marido foi na frente para acender a luz para que pudéssemos descer.
Não gostei nada daquela parte da casa, era meio úmido e eu só pensava que nunca desceria ali sozinha, pois tenho medo de escuro, mas o marido gostou, achou que poderia ficar à vontade naquele porão, mexendo na tão sonhada moto BMW que pretendia comprar para fazer as trilhas pela cidade. Minha irmã, talvez mais sensitiva, disse-nos que sentiu-se mal quando desceu aquele lugar, mas ela só falou isso muito depois que a gente contou pra ela o que tinha sido aquela casa no passado.
No dia seguinte, antes que meu marido entregasse as chaves para o colega dono da mesma, um outro colega o chamou em particular e contou tudo sobre a casa e o que ela tinha sido, a tal Casa da Morte, a casa onde os militares torturaram e mataram muitas pessoas naquele período triste da ditadura militar no Brasil. De uma certa forma, eu estive nos porões da ditadura um dia.
Conclusão: ele entregou as chaves ao dono e disse-lhe que eu, sua mulher, não gostou do local porque era meio distante do centro e que não era bem o que procurávamos. Ficou tudo assim acertado e resolvido, mas quando penso que entrei naquele lugar onde tantas almas foram torturadas e mortas, agradeci aos céus por ter nos livrado de ter alugado aquela maldita casa que, somente em 2012 foi finalmente desapropriada e criado ali o "Centro de Memória, Verdade e Justiça".

Não é uma data para ser comemorada e sim lembrada para que nunca mais se repitam atos insanos como estes sobre nós e à democracia tão duramente conquistada.


 A casa hoje, meio desgastada com o tempo.

-Casa da Morte-Google-



O depoimento da única pessoa que sobreviveu à casa, Inês Etienne Romeupermitiu, com a ajuda de amigos e jornalistas, a localização do imóvel e de seu proprietário, Mario Lodders, que emprestou a casa, em 1971, para o ex-interventor de Petrópolis, Fernando Ayres da Motta, que a cedeu para a repressão.
Veja mais aqui.





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