Maioria dos empregos está por ser criada, mas faltam profissionais para fazer a transição para a economia verde
"Pediram que eu acompanhasse um projeto voltado para o mercado de carbono", diz Lombardi, hoje um dos principais executivos de Desenvolvimento de Negócios Sustentáveis do Banco Real. "Quando vi o que era, fiquei paralisado. Era o que eu queria para a minha vida."
Lombardi é um exemplo de que a onda verde está aí e chegou para ficar. Por ano, o Real toca de cinco a dez projetos novos de créditos de carbono, pelos quais empresas "compram" programas de preservação para compensar suas emissões de gases do efeito estufa. Cada projeto ocupa cerca de 40 pessoas, nas áreas de finanças, engenharia e jurídica.
Crédito de carbono é uma das estrelas do mercado global para produtos e serviços verdes, que já gira US$ 1,3 bilhão por ano, segundo levantamento da consultoria alemã Roland Berger. A estimativa é de que esse número cresça para US$ 2,7 bilhões até 2020.
O futuro do planeta agradece. E os trabalhadores do futuro também. No atual momento de instabilidade econômica, o mercado verde é um dos poucos portos seguros para profissionais preparados e com boa especialização no currículo.
Uma pesquisa da Fundação Instituto de Administração (FIA) da USP apontou gerentes de ecorrelações e engenheiros ambientais como os profissionais que serão mais procurados no mercado em 2020. "Há a noção de que gente que entenda de ambiente e sustentabilidade é fundamental para o futuro das corporações", diz Renata Pers, uma das coordenadoras da pesquisa, que teve mais de cem entrevistados em empresas, universidades e no mercado financeiro.
Mas o que é gerente de ecorrelações? E como se tornar um profissional verde?
A primeira pergunta é Renata quem responde. Gerente de ecorrelações é o encarregado "de se comunicar e trabalhar com consumidores, grupos ambientais e agências governamentais para o desenvolvimento de programas ecológicos".
Quanto à segunda pergunta, o estudo mais completo até hoje foi feito pelo World Watch Institute (WWI) em parceria com a Organização Mundial do Trabalho e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. O relatório Empregos Verdes: Rumo a um Emprego Decente num Mundo Sustentável aposta que a economia verde vai abrir mais postos de trabalho que a tradicional. Segundo o texto, a maioria dos green jobs ainda está por ser criada, mas o mercado já exige gente formada em áreas tradicionais que seja capaz de fazer a transição para a nova economia.
"Trabalhar com ambiente exige um grau de conhecimento que não se obtém só na graduação ou com a prática, por isso vários alunos que estão no mercado buscam especialização", diz Alessandra Magrini, coordenadora atual da mais antiga pós-graduação verde do País, o Programa de Planejamento Energético (PPE) da Coppe, núcleo de pós-graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
"É um mercado novo, que precisa de profissionais com visão social, ambiental e econômico-financeira. A dificuldade é encontrar gente que entenda dos três lados", afirma o holandês Maurik Jehee, superintendente de créditos de carbono do Real. Para Jehee, não há ainda um curso de graduação que dê conta de formar profissionais ecléticos.
A carreira de Fernando Carignani é um exemplo de profissional verde multidisciplinar. Formado em administração, ele conseguiu promoção em um dos maiores bancos do País enquanto cursava o mestrado em Educação Ambiental no Senac-SP. Hoje, trabalha com obtenção de ISO ambiental, certificado para empresas que mantêm programas ambientais. "Havia outros três candidatos bem experientes; a visão ampla que um profissional de sustentabilidade consegue me ajudou bastante", diz Carignani.
O relatório do WWI menciona Estados Unidos, China, Grã-Bretanha, Austrália e Brasil como países onde já faltam profissionais verdes. A agência de recrutamento de executivos Michael Paige confirma essa avaliação: os setores de mineração, óleo e gás, química e petroquímica e siderurgia encontram dificuldade no País para achar profissionais qualificados em ambiente e sustentabilidade que, ao mesmo tempo, entendam de gestão de negócios.
"Uma empresa que produz motores pode ter em seu quadro vários engenheiros especialistas em combustão. Mas, se não tiver, a empresa não para. Agora, se não tiver algum especialista em meio ambiente, em dejetos industriais, a indústria não só para como é multada", diz Juliano Ballarotti, consultor da Michael Paige. "Por isso, a procura por esse tipo de profissional cresce muito, principalmente no Rio, que concentra o grosso das indústrias de petróleo e siderurgia."
Ballarotti diz que, no ano passado, foi procurado por multinacionais, entre elas empresas do ramo agroindustrial e de siderurgia, que pretendiam ampliar negócios no País e buscavam profissionais de diversas áreas. "O mais difícil foi achar gerentes para a área ambiental. Os que são bons já têm emprego e desenvolvem projetos e não estão dispostos a tentar algo novo."
Segundo a Michael Paige, o gerente de meio ambiente e sustentabilidade sênior de uma grande empresa recebe R$ 20 mil por mês. E um engenheiro com pós-graduação em ambiente chega a ganhar 20% a mais que um colega com as mesmas qualificações, mas que optou por uma especialização mais tradicional.
Lombardi é um desses profissionais caçados por headhunters. "Desde que entrei no banco, em 2004, recebi três grandes ofertas. Duas delas eram de multinacionais bacanas." Ele diz que optou por ficar no banco para ter o poder de influenciar várias cadeias produtivas. Se ficasse em uma empresa, estaria amarrado a um único negócio. "Preferi ser uma caixa de lápis de cor, talvez ganhando menos, do que ser um único lápis preto número 2", compara.
Mas se dar ao luxo de escolher o que se quer fazer depende de capacitação. O estudo da WWI, aliás, elege a capacitação insuficiente como um dos principais entraves para a nova economia deslanchar. Eis um exemplo: "Arquitetos e engenheiros em todo o mundo não têm conhecimento dos materiais, desenhos e técnicas de construção para levantar edifícios eficientes no uso de energia. As ambiciosas regras sobre casas com uso de energia zero no Reino Unido não podem ser cumpridas porque falta formação."
O problema não está só na desqualificação da base da pirâmide. As universidades não agregaram matérias sobre ambiente e sustentabilidade em cursos tradicionais, como Direito e Engenharia Civil.
"Apesar de termos hoje grandes escritórios especializados em Direito Ambiental, como o Ricardo Carneiro, em Minas, as faculdades não falam quase nada de ambiente", afirma Werner Grau Neto, especialista em Direito Ambiental e filho do ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau. "O advogado precisa de pós-graduação. Precisa entender de mudança climática, de água, de crédito de carbono, matérias de outros cursos."
O PPE da Coppe, criado há 30 anos, dá noções de economia e finanças, física, química, matemática e modelos matemáticos, além de conceitos de energia, desenvolvimento e mudanças climáticas. Os alunos são disputados pelo mercado antes de concluírem teses. Foi o caso da engenheira química Conceição Cardoso Silva, aluna de mestrado. "Tinha me formado nove anos atrás e, desde a faculdade, queria ir para a área ambiental. Quando fiquei grávida do segundo filho, pensei: é a hora."
Tudo correu conforme o planejado até que, há dez meses, surgiu a oferta de emprego de uma petroquímica. "Tinha decidido que não pararia o mestrado para trabalhar. Mas a proposta foi na área ambiental e era muito boa" Hoje, Elaine divide o tempo entre trabalho, família e dissertação. "Poderia estar na praia com os meninos, mas faço o que eu gosto."
A onda dos green jobs recebeu um considerável reforço com a posse de Barack Obama. O pacote de incentivo à economia de Obama colocou as tecnologias limpas de vez na pauta de desenvolvimento dos EUA. Ele reserva US$ 80 bilhões para incentivos fiscais e pesquisas em tecnologia limpa e renovável, e US$ 500 milhões para formação e treinamento de pessoal.
Com o pacote, Obama promete criar entre 3 e 4 milhões de empregos e gerar um efeito cascata pela demanda de profissionais verdes que deverá atingir outros países, inclusive emergentes como o Brasil.
Só para garantir eficiência energética no aquecimento de residências de famílias de baixa renda, o presidente americano pretende gastar US$ 5 bilhões, pouco mais que os US$ 4,5 bilhões reservados para reduzir o desperdício de energia em prédios públicos.
Segundo a pesquisa do WWI, só nos EUA e Europa, cerca de 4 milhões de pessoas sobrevivem de empregos baseados na melhoria da eficiência energética dos edifícios. A Fundação Clinton, por exemplo, coordena um projeto de US$ 5 bilhões para reduzir o desperdício em prédios de 16 metrópoles, entre elas São Paulo. "Os EUA ainda têm força para criar uma onda de investimentos verdes", diz Adalberto Maluf, diretor da fundação em São Paulo.
Fonte: Estadão