Natureza
I love the silence
Fiquei surpresa noutro dia ao ouvir de minha sogra que sua última faxineira não queria mais trabalhar em seu apartamento por que era muito silencioso. A tal moça dizia não suportar o silêncio e que o mesmo a incomodava, não estava acostumada aquilo e era muito chato trabalhar assim. Quack!
Foi aí que me lembrei de um programa que assisti noutro dia pelas zapeadas à noite na televisão, onde um casal de repórteres se propuseram a passar uma semana num determinado local de uma enorme comunidade na cidade de São Paulo. Os dois tinham que achar trabalho por lá mesmo durante o dia e tentar dormir como qualquer morador dali, pobre, com poucos recursos, com barulho ou sem. Acontece que não foi fácil, durante o dia com todo o zumbido de fundo de uma sociedade urbana super mega como a grande São Paulo, aliado com o barulho produzido ali mesmo, com música variada de estilos por todos os lados, alto falantes fazendo propaganda no comércio local, o barulho das tarefas cotidianas e o som que os próprios seres humanos produzem, gente que fala alto o tempo todo, tanto em família quanto nas ruas, aos celulares ou que produzem barulho em tudo o que executam. Um mundo onde nem a noite escapa e não é respeitada, e para quem trabalha cansativamente durante o dia, o descanso noturno é interrompido e incomodado, causando distúrbios de sono, com os sons de bailes funks, pregações de igrejas com uso de microfonia, a falta de privacidade com gente muito próxima uma das outras, casas separadas por apenas uma parede, escolas com crianças gritando no recreio e um sem número de sons que não deixam as pessoas terem um descanso absoluto, necessário para se refazerem por completo para o dia seguinte de trabalho.
O que eles, os repórteres, mais reclamaram eram os bailes noturnos que pipocavam aqui e dali naquela comunidade, juntamente com o calor que fazia nas pequenas casas e que abrir uma janela era impossível, devido ao alto ruído lá de fora. Acordaram completamente desgastados, como dormiram muito mal à noite, o jovem casal, no dia seguinte, estava um trapo.
E é assim que acontece nestes lugares onde não há lei, não há civilidade. O trabalhador não rende, não produz, vive doente e pede afastamento médico, coisa muito comum.
Bom, ali é o extremo, mas no Rio de Janeiro, São Paulo ou nas grandes capitais, perdeu-se o controle da ordem pública e não é raro ouvir barulho de caminhões de lixo no meio da noite fazendo estardalhaço ou festas em condomínios e casas noturnas que atrapalham o sono da vizinhança. E isso sem contar a falta de noção geral quando um vizinho de prédio, resolve fazer festa, ou melhor, receber amigos na sua varanda, que hoje em dia tem churrasqueira, mesinhas, o chamado 'espaço gourmet'. Afff!
Uma grande incentivadora do barulho ou da gritaria foi a nossa querida animadora infantil, Xuxa. Lembro-me claramente dela, em seu programinha diário pela manhã, cantando um refrão que as crianças repetiam aos berros "Vamos pular, vamos gritar, vamos gritar!" e assim estão até hoje, aos gritos falam nas ruas, em suas casas, aos gritos brincam nos recreios e teremos uma nova geração que não mais se expressará em tom de voz normal e sim muito acima do que é chamado 'educado'. Vejam bem, não estou falando de quem tem uma impostação de voz, que por conta de alguma profissão, como palestrante ou professor, seja necessária uma voz com um tom um pouco mais alto, mas de quem só se comunica aos gritos ou de forma gutural, como um brucutu da idade da pedra. Poxa, isso é feio demais!
A paz e o silêncio são direitos que todo cidadão merece para ter uma vida satisfatória, digna e que irá ajudar em muito na integridade física de cada um, principalmente no trabalho diário ou no estudo. Se uma pessoa tem um dia agitado, trabalhoso e à noite não consegue dormir sossegado plenamente, como irá enfrentar um novo dia pela frente? Isso é realmente danoso à saúde.
Eu lia ainda a pouco sobre uma cidadezinha ao sul de Dresden, na Alemanha, chamada Glashütte, onde assim que se chega, vê-se uma placa na entrada da cidade: "Aqui vive o tempo, seja bem-vindo em Glashütte" e ela é conhecida em todo o mundo por um artesanato muito particular: a produção de relógios de pulso com mecânica das mais requintadas que para o perfeito funcionamento de um relógio desses, muitas peças pequenas precisam ser montadas com exatidão. Portanto, quem trabalha nesta indústria precisa ser muito paciente e zeloso e ter olho apurado e, principalmente, mão calma para ter um bom trabalho de relojoeiro. Conclui-se, logicamente, que este lugar é tranquilo, perfeito para uma pessoa que tenha este tipo de trabalho e que deve e pode dormir um sono reparador durante toda a noite.
Então eu voltei de novo aqui para o nosso estranho país barulhento, com metrópoles estressantes, grandes bares com televisão ligada nos jogos semanais; jovens de classe média com seus carros abertos e com som estridente; com escolas diurnas e mesmo as noturnas funcionando com bares em sua volta, sem fiscalização ou repressão neste sentido, afinal de contas isso não é simpático, não atrai votos, não é um perfil nacional de alegria e integração social.
Infelizmente, esta degradação de qualidade ambiental parece crescente já que o crescimento populacional é cada dia mais visível nas grandes capitais, mas se dentro de nossas próprias casas, exercitarmos o silêncio ou o falar baixo com nossos familiares e empregados, estaremos incentivando tal atitude para que cresça o hábito sadio e educado para um futuro menos poluído sonoramente.
Neste momento em que escrevo este post (23:31hs), num desses bares com mesinhas do lado de fora e que fica a uns 200 metros de meu prédio, ouve-se um grande falatório, tanto de homens como mulheres que torcem para o bendito Flamengo que está jogando contra o Palmeiras, mas isso não seria nada demais se tivessem um controle melhor sobre este tipo de programação noturna, porém a famosa deusa e que comanda a televisão no país, só começa a transmitir os jogos depois de sua novelinha diária, enfim quem tem trabalho no dia seguinte que se vire, coloque vidros à prova de som ou algodão nos ouvidos. A ordem é gritar, torcer, beber e o resto que se exploda! Seguindo a rainha dos baixinhos berrantes, "vamos pular, vamos gritar, vamos gritar!"
". Assim, quero fazer uma sugestão para acabar com o barulho dos barzinhos. É fácil. Basta que os vizinhos estejam de acordo. Seguindo a sabedoria homeopática que diz que semelhante se cura com semelhante, digo que som alto se cura com som alto. Sugiro, então, que os vizinhos que não podem gozar o silêncio das suas casas se organizem. Arranjem um bom aparelho de som. Coloquem-no na janela de um apartamento, direcionado para o barzinho barulhento. E aí toquem, a todo volume... música clássica. Inimigo maior do barulhos dos barzinhos que música clássica não existe. Sugiro: o 1o. movimento do concerto n. 1 de Tchaikovski, a Abertura 1812, especialmente a parte onde entram em ação os sinos e as salvas de artilharia, o último movimento da 9a. sinfonia, o coro dos ferreiros da ópera Ainda. Garanto que todos fugirão apavorados. “Amantes do silêncio: uni-vos!”
(Rubem Alves-do Quarto de badulaques (XLI)
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