Sustentabilidade no Brasil: um enigma confuso
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Sustentabilidade no Brasil: um enigma confuso


Embora os brasileiros demonstrem preocupação com os problemas ambientais, a consciência permanece divorciada da ação positiva


O Brasil tem recebido uma atenção regular dos noticiários internacionais. Ultimamente, as coberturas jornalísticas abordam desde as festas de Carnaval até a resiliência da nossa economia em meio à recessão global (o país é, agora, a sexta maior economia do mundo, tendo ultrapassado o Reino Unido). Além disso, a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 serão eventos sediados no Brasil, divulgando ainda mais a sua imagem positivamente.
Da mesma forma, as conquistas recentes do Brasil nas esferas da sustentabilidade parecem reforçar uma boa reputação. Afinal, aqui impulsionaram-se expectativas mundiais de responsabilidade social e ambiental há 20 anos, na Conferência das Nações Unidas, a ECO-92, e conseguiu-se evitar que a Rio+20 fosse um fracasso completo. A nação também pode se gabar de ter a matriz energética mais limpa do planeta e ser um dos poucos países a chegar perto de cumprir com as metas de emissões de GEE acordadas na COP-15. É o local de nascimento de empresas vencedoras de prêmios daGlobal Reporting Iniciative (GRI), ano após ano, e o lugar onde os cidadãos não foram tão afetados pela onda de ceticismo acerca das alterações climáticas que assombra o mundo todo, segundo demonstram as pesquisas.
Então, poderão os brasileiros ensinar ao mundo o caminho para um futuro brilhantemente sustentável?
Pesquisas de opinião pública, realizadas ao longo da última década pela Market Analysis e pelo Ministério do Meio Ambiente, revelam tanto certezas como paradoxos. Os brasileiros lideram em preocupação com questões ambientais; mais de 90% dos entrevistados percebem poluição do ar, alterações climáticas, perda de biodiversidade ou da disponibilidade de água como problemas muito graves – pelo menos 30 pontos percentuais a mais do que a média internacional. O alto nível de consciência traduz-se em uma maioria que coloca a importância da proteção ambiental acima do crescimento econômico, assim como o entusiasmo para participar de programas de reciclagem de lixo doméstico, se lhes fosse dada a chance. Essa conscientização também direciona um nível recorde de interesse em sustentabilidade empresarial, para além de 70% das empresas, desde que começamos a mapeá-lo em 2002. Fato igualmente relevante é que um a cada dois adultos admite estar disposto a pagar um pouco mais por um produto ético.
No entanto, quando se trata das condutas dos consumidores pela sustentabilidade, os resultados são surpreendentes. Ações pelo consumo ético como, por exemplo, boicotes ou recompensas para marcas e produtos, em função da atuação sustentável destes, são realizadas por menos de um quinto deles.  Sete em cada 10 adultos misturam pilhas e lixo eletrônico com o lixo residencial. E uma esmagadora maioria continua utilizando as sacolas plásticas não biodegradáveis ao fazer compras nos supermercados. O que é que faz com que os brasileiros sejam líderes em intenção, mas retardatários em um comportamento verde?
De acordo com o GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), a maior rede brasileira de investidores sociais, os investimentos empresariais em projetos sociais e ambientais ultrapassaram os R$ 2,5 bilhões (cerca de US$1,3 bilhão), em 2012. Esse número equivale aos investimentos de vários estados em inclusão social, desenvolvimento comunitário e proteção ambiental. Em uma pesquisa com 400 empresas, mais da metade delas já tem um departamento para supervisão de políticas sustentáveis ​​e, em média, 3% de suas receitas são alocadas para programas socioambientais. A quantidade de relatórios de sustentabilidade corporativa publicados é 11 vezes maior do que em 2000, e o Brasil aparece, agora, em quarto lugar no ranking da GRI. A mídia impressa seguiu esse boom, aumentando em nove vezes as coberturas sobre a agenda de sustentabilidade nos últimos 13 anos.
Em outras palavras, essas questões entraram na linguagem cotidiana no Brasil e, diferentemente dos outros países da América Latina, aqui se pode encontrar um contexto tremendamente estimulante para se introduzir a sustentabilidade na agenda pública.
Mas a atenção e as atitudes positivas para com a sustentabilidade vêm sendo ofuscadas por dificuldades de longa data. A reciclagem permanece prejudicada pelo fato de que menos de um terço dos 5.565 municípios brasileiros promovem a coleta seletiva do lixo. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) criou um código específico para o greenwashing, proibindo a chamada propaganda enganosa. Com uma renda per capita média anual ligeiramente superior a U$10.000 dólares, torna-se difícil suportar os preços premiumda maioria das escolhas ​​e estilos de vida sustentáveis. E, além de tudo isso, a oportunidade de consumo que antes estava contida para os quase 42 milhões de brasileiros que migraram para a nova classe média, nos últimos anos, não representa uma boa base para o consumo responsável.
Quando perguntados sobre quem é responsável pela degradação socioambiental, os brasileiros culpam o governo; sobre quem deve liderar tal responsabilidade, aponta-se para o governo, mais uma vez – o mesmo que, desde o início de 2011, vem incentivando o desmatamento e a poluição por meio da construção de megabarragens na Amazônia, uma corrida pelo petróleo nas camadas oceânicas do pré-sal em detrimento da indústria de biocombustíveis, e oferece redução de impostos para a indústria automobilística sem considerar as compensações de emissões. O mesmo governo, no entanto, que nos dois últimos anos lançou uma aprimorada regulamentação para os resíduos sólidos e tem feito esforços junto ao setor privado para conter a extração ilegal de madeira, bem como o comércio de carne e soja provenientes de áreas desmatadas. De alguma forma, a aparente falta de direção dos políticos e a inércia da maioria das pessoas, em última análise, condensam o dilema da sustentabilidade na sociedade brasileira.
Assim, o que a opinião pública no Brasil pode nos ensinar sobre a reação das pessoas numa agenda desafiadora para a sustentabilidade? Ela nos diz que, a fim de mobilizar consumidores e cidadãos, é preciso ir além ao destacarmos a gravidade de um problema. Isso demonstra que conscientização e atenção à sustentabilidade podem perfeitamente estar divorciadas de uma ação verdadeiramente sustentável e que, embora a liderança empresarial e social seja extremamente positiva, não representa condição suficiente para ajudar a sociedade a cumprir com o discurso – o walk the talk – da sustentabilidade. Brasileiros, como a maioria dos cidadãos de todo o mundo, têm um longo e sinuoso caminho pela frente para encontrar uma prosperidade sustentável.
Fabián Echegaray é diretor-geral da Market Analysis, instituto de pesquisa especializado em sustentabilidade e responsabilidade social corporativa, e articulista da revista Ideia Sustentável.
Fonte: The Guardian / Ideia Sustentável



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