Há 10 anos, o funcionário público Cícero Ivan Gontijo comprou um terreno na QL 6 do Lago Sul. O lote, conhecido como ponta de picolé, ficava às margens do espelho d’água. Na última década, entretanto, ele viu um problema ambiental transformar a vista de sua casa. Hoje, praticamente não há mais água nos fundos do terreno. O assoreamento fez o Lago desaparecer do imóvel de Cícero Gontijo. “Comprei uma ponta de picolé, mas hoje tenho um brejo. O Lago está secando e ninguém reconhece a gravidade do problema”, reclama o funcionário público.
Revoltados com o agravamento do assoreamento nos últimos anos, um grupo anônimo de moradores espalhou faixas de protesto pelas pontes do Lago Sul no último fim de semana. “Governador, o Lago secou entre as quadras QL 2 e QL 6”, alertavam os cartazes, que foram retirados na manhã de ontem. O problema não é recente, mas a rapidez com que a terra avança sobre o espelho d’água tem assustado moradores da região e ambientalistas.
A preocupação é ainda maior porque o fenômeno persiste mesmo em meses de chuva intensa, como janeiro. Durante a seca, a redução do nível do Lago é corriqueira, mas o problema não costumava ser registrado durante a época chuvosa. A principal causa do desaparecimento do espelho d’água é fruto da ação humana. A ocupação desordenada na Bacia do Paranoá causa o seu assoreamento.
Entre a QL 2 e a QL 6, a redução drástica do nível do Lago gerou grandes áreas de água parada, o que atrai mosquitos e aumenta riscos de doenças como a dengue. O consultor econômico Roberto Nogueira, 62 anos, mora no conjunto 5 da QL 6 e, da janela de seu quarto, observa o problema ambiental do Lago na região. “A quantidade de mosquitos que surgiu por causa da água parada incomoda muito. O assoreamento do Lago está acontecendo numa velocidade muito rápida. Há pouco tempo, os barcos paravam na margem do conjunto. Hoje, isso é impossível”, explica Roberto.
O Lago Paranoá é alimentado por vários cursos d’água, como os ribeirões de Santa Maria, do Bananal e do Gama. Alguns córregos que desembocam no Lago sofrem muito com a ocupação urbana, especialmente em regiões como Vicente Pires. Os sedimentos e resíduos sólidos provenientes das construções são carregados para o espelho d’água e se depositam no fundo do Paranoá, reduzindo seu volume.
O professor do Departamento de Geoquímica da Universidade de Brasília Geraldo Boaventura explica que o braço do Riacho Fundo é o que tem sofrido mais com as consequências do assoreamento. “O problema é fruto da ocupação urbana desordenada e também da falta de educação ambiental da comunidade. É comum vermos lixo nos córregos e no lago, até sofás as pessoas jogam nos cursos d’água”, lembra o especialista. “Quanto mais loteamentos são criados, mais a terra é carregada pelos córregos até parar no Lago Paranoá.
A estimativa do governo é que o espelho d’água já perdeu pelo menos 4% do seu volume desde a inauguração de Brasília. Nesse período, o Lago encolheu o equivalente a 250 campos de futebol. “O fenômeno do assoreamento está se agravando, em alguns locais é fácil perceber que o espelho d’água desapareceu. Entre as sete bacias do Distrito Federal, a do Paranoá é a que tem maior contingente populacional”, explica o presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Gustavo Souto Maior. “É preciso fazer um trabalho de prevenção e recuperação das margens dos córregos para estancar o assoreamento. Mas a solução para recuperar margens do Lago já degradadas seria fazer uma drenagem”, acrescenta Souto Maior.
Se especialistas e representantes do governo são unânimes em apontar a ocupação desordenada como causa do problema, ainda não há consenso sobre a melhor solução para enfrentar a redução do volume do Lago. A drenagem do espelho d’água, com a retirada dos sedimentos do fundo do Paranoá, é uma técnica extremamente cara e não resolveria definitivamente a questão, já que é preciso controlar as margens dos córregos e evitar novas ocupações.
Dragagem
O biólogo e assessor de Manejo da Bacia do Paranoá da Companhia de Saneamento Ambiental do DF, Fernando Starling, explica que a perda de volume do Lago é um processo natural. Mas no caso do Paranoá, a destruição das matas de galeria e das vegetação da beira dos córregos acelerou esse processo. “A origem do assoreamento não está no Lago, mas na bacia hidrográfica. “Disciplinar o uso e ocupação da bacia é a melhor forma de conter e até reverter o assoreamento. Antes de retirar sedimentos do fundo do lago, seria preciso reconstituir as matas de galeria para evitar que um volume ainda maior de terra voltasse a aterrar o espelho d’água”, justifica Fernando Starling.
O assessor da Caesb conta que há estudos para realizar a dragagem da terra em excesso no Lago, mas que o processo é muito caro. “É uma técnica usada no mundo inteiro, mas exige investimentos altos. Para retirar um metro cúbico de sedimentos, é necessário investir US$ 5. E há várias exigências, como ter um local para secar o material, já que ele não pode ser transportado logo depois de ser retirado do Lago”, explica o biólogo.
Uso múltiplo, solução também
O Lago Paranoá é controlado diariamente pela Companhia Energética de Brasília, que usa a água para gerar energia. Quando o volume sobe muito, a CEB abre as comportas da represa para evitar a inundação de casas, por exemplo. Se o Lago começa a secar, a empresa mantém as comportas fechadas para que as águas da chuva se acumulem.
O diretor da CEB Geração, Hamilton Naves, explica que a altura da água do Paranoá está no limite esperado para esta época do ano. “O que acontece é que o fundo do Lago está subindo com o assoreamento. Em algumas regiões, como a QL 2 do Lago Sul, o espelho d’água já virou mata”, destaca Hamilton.
Ele explica que, apesar de algumas áreas do lago estarem completamente secas, a altura do Paranoá continua a mesma. “Nesta época do ano, as comportas estão fechadas, toda a água da chuva fica represada. Nosso trabalho é controlar o nível do lago para dar rendimento às turbinas e manter a altura para que, por exemplo, não haja inundação de casas”, justifica Hamilton. “O lago é de uso múltiplo, uma solução para o problema deve envolver todos os agentes que usam o local, como a CEB, a Caesb, a Adasa e os clubes. A possibilidade de dragagem precisa ser bem analisada, já que pode trazer impactos ambientais, como a mortandade de peixes”, finaliza o diretor da CEB Geração.
A vice-prefeita comunitária do Lago Sul, Edlamar Batista, já fez reuniões entre moradores e diversos representantes do governo para tentar resolver o assoreamento. “O depósito de sedimentos no Lago é um problema antigo. Mas a obra de duplicação da pista de acesso ao aeroporto, com a construção de uma nova pista sobre o córrego, contribuiu para o agravamento dessa situação”, garante Edlamar.
Fonte: Correio Braziliense