Quando minha amiga Beth me falou sobre a blogagem coletiva, com o tema adoção, adorei a idéia no ato, mas claro que precisava conversar com as outras partes interessadas, ou seja, meus filhos e meu marido. Aprovação total e para meu orgulho maior, o apoio irrestrito do Thiaguinho. Thiaguinho, que não é mais Thiaguinho, é Thiagão, tem 24 anos, mas pra mim, continuará sendo Thiaguinho e ponto final.
Tentarei resumir nossa história, sim “tentar”, pq não se fala de 22 anos de vida em comum rapidinho, não é?
Comecei a namorar meu marido com 14 anos e ele 16. Eu a típica garotinha romântica e ele o típico rapaz de família. Nos casamos em 1984, eu com 19 anos e ele 21. Nossos pais não eram muito a favor, mas ele havia passado no concurso, para o antigo banco estadual BANERJ e o salário dava bem para nós dois, daí concordaram. Claro que pretendíamos continuar estudando, ou melhor, ele pretendia, porque eu não pretendia não. Eu queria ser DONA-DE-CASA, é isso mesmo DONA-DE-CASA.
O ano de 1985 passou rapidinho, lua-de-mel, casa novinha, compra do nosso primeiro carro e a decisão de que era hora de voltar a estudar.
Meu marido resolveu fazer o vestibular para engenharia civil, meio sem acreditar que passaria, já que estava sem estudar a um tempinho. Passou!
Ahhhhhhh, nesse meio tempo, meus pais foram a Portugal e qdo voltaram cogitaram a possibilidade de mudarmos para lá, já que aqui vivíamos uma fase de muitos seqüestros, meu pai era comerciante, um bom alvo. Fala daqui, pensa dacolá e decidimos que mudaríamos para Petrópolis, não sairíamos do Brasil e moraríamos num lugar tranqüilo. Meu pai comprou um terreno grande e começamos a planejar e tb construir nossa casa.
Filhos??? Agora não! Eu respondia resoluta. Afinal, estávamos com apenas 1 ano de casados, com a perspectiva da construção de uma casa em outra cidade e a faculdade de engenharia. Casal ajuizado, certo? É...certo, ou melhor, deu certo, mas não foi bem assim que aconteceu.
Logo que meu marido passou para a faculdade, eu visitei um orfanato com minha mãe. Ela costumava ir num asilo, eu tentei, mas não passei da varandinha que havia na entrada da enfermaria, chorei horrores, daí pensei que um orfanato seria bem melhor para visitar, afinal crianças são muito alegres.
Minha mãe perguntou a freira como poderia ajudar, ela se referia a mantimentos, produtos de limpeza ou higiene. Para minha surpresa, a freira disse que estavam com um menino muito doente e mandou buscá-lo. Ai, ai, aiiiiiiii não teve nem jeito, foi AMORRRRR a primeira vista. Dois aninhos, moreno, cabelos castanhos dourados cheio de cachinhos, olhos como jabuticabas, cílios enormes...LINDOS! Thiaguinho, havia tido paralisia cerebral no parto, não andava, não falava, tinha um buraco no pescoço, respirava mal (como se tivesse bronquite), exalava um cheiro ruim, que eu imaginava ser do pescoço.
Minha mãe se ofereceu para levá-lo a um pediatra e custear o tratamento. Combinaram uma nova visita, para quando a diretora estivesse presente e pudéssemos ter a autorização, para levá-lo ao médico. A congregação era em Recife e era lá que a diretora estava.
Voltamos no dia marcado e a diretora não permitiu. Disse que só com autorização do juizado, ou com autorização da mãe.
Thiaguinho nesse dia estava pior, saí de lá arrasada, eu sabia que meu pai não poderia fazer nada, naquela época ele tinha padarias, restaurantes e essas coisas tomam tempo.
Naquela noite, meu marido chegou da faculdade e eu estava chorando, contei-lhe o que havia acontecido e pedi para que fosse lá comigo para ver o Thiaguinho.
No dia seguinte lá fomos nós, a freira mandou buscá-lo e lá veio meu pequeno, segurando numa das mãos, um saco plástico com umas coisinhas dentro e na outra um pente enorme. Olhar caidinho, muito gripado, o mesmo cheiro e a respiração bem difícil.Meu marido tem bronquite e achou que aquela chiadeira no Thiaguinho tb fosse, não era.
Depois da visita a conversa no carro foi mais ou menos assim:
- Ele não é lindo?
- É sim!
- Então, já que não se pode tratar dele aí no orfanato, só tem um jeito...
Daí meu marido tentou ser sensato, lembrar da faculdade, das despesas, construção da casa, dos problemas de saúde...blá, blá, blá.
Na semana seguinte, Thiaguinho piorou e foi internado no Hospital do Fundão. Estava com pneumonia, o cheiro ruim era proveniente de uma esponja no nariz, que estava podre e formando uma cavidade. Vermes e desnutrição. O buraco no pescoço, era uma fístula congênita, que precisava ser operada, caso contrário não teria movimentos do pescoço.
Duas semanas que não pensei em mais nada que não fosse ADOÇÃO. Familiares e amigos dando opiniões, claro que todos contra.
Uma tarde, recebi o telefonema de uma pessoa, que tb visitava o orfanato, havia sido através dela que conseguiram internar o Thiaguinho, alías, foi no carro dela, que ele foi ao hospital acompanhado de uma freira.
Conversamos muito, ela me disse que havia conseguido meu telefone com a freira, que o Thiaguinho iria ter alta, mas que não deveria voltar para o orfanato, já que os médicos temiam que tivesse outra recaída (na verdade, aquela era a TERCEIRA pneumonia).
Tentando resumir...procuramos pela mãe biológica, ela NÃO PODIA ficar com ele, fomos para o juizado e não conseguimos NADA. Fomos para um cartório para tentar a DOAÇÃO, ela não tinha um documento sequer. Tinha que haver um jeito e houve, digamos que um “jeitinho brasileiro”. Na época, eu nem queria saber das conseqüências, de fazer algo fora dos trâmites legais. Pra falar a verdade, nem hoje, se o que estivesse em jogo fosse uma vida.
Não sou a favor de maracutaias, muito menos de “levar vantagem em tudo”. Sou HONESTA, pago minhas contas em dia, mas ali não havia escolha. A mãe biológica não tinha condições, o governo e as freiras não bancavam um orfanato decente, o hospital tb não podia mantê-lo até sua total recuperação. A verdade é uma só: quem quer arruma um jeito, quem não quer, arruma uma desculpa. EU QUERIA!
Saímos do hospital, fomos com a mãe biológica até o orfanato, onde ela assinou um documento atestando que o estava retirando de lá, estava mesmo, ora.
Trinta de maio de 1986, virei mãeeeeeeeee!!! E agora??? Lembrei de um dos ditados que minha avó usa comumente: “as dores do parto ensinam a parir” e fui cuidar do meu filhote.
Tentando resumir de novo...Muitossssssss anos de fisioterapia, fonoaudióloga, pernas engessadas, duas cirurgias e ele está lindo e saudável.
A família não ficou por aí, no final desse mesmo ano engravidei da Carina e depois em 1991, quando ainda faltava 1 ano, para meu marido se formar, tive o Caio.
Thiaguinho tem 24 anos, terminou o segundo grau, tirou carteira de motorista e passou na PRIMEIRA prova e trabalha comigo. Caráter irrepreensível, bondade incontestável. Companheiro de todas as horas e para o que der e vier.Não, eu não sou coruja, ele é que é MAGNÍFICO! Aliás, verdade seja dita, os três são. NUNCA, mas NUNCA mesmo, ouvi de um dos meus filhos, qualquer reclamação por ter dado mais para um, do que para outro. Cresceram sabendo dividir, sabendo respeitar as diferenças, percebendo o preconceito e lutando contra ele. Aprenderam que AMOR, é o maior sentimento de todos e que independe de sangue, precisa mesmo é praticar. Sabem respeitar a vida e se compadecem da dor e do sofrimento alheios.
Bem, pra você que leu o meu depoimento e está aí, com a cabeça fervilhando de dúvidas, conceitos e indagações, já adianto algumas perguntas e respostas, que dei e dou para questões básicas sobre ADOÇÃO, no meu caso, algumas já caducaram, meu filho já é adulto, mas acreditem respondi-as muitas e muitas vezes.
-VOCÊ NÃO TEM MEDO QUE ELE AO CRESCER FIQUE REVOLTADO, E APRONTE?
R: Infelizmente conheço alguns jovens e outros não tão jovens, que teoricamente teriam tudo para serem felizes e são revoltados, outras pessoas que poderiam ser revoltadas e são verdadeiros exemplos, logo, ser adotado não é pré-requisito para revoltas e coisas parecidas.
(No meu caso: nenhum dos três é revoltado não. Cada um tem seu espaço, sua vida e procuram se ajudar mutuamente.)
- VOCÊ NÃO SE PREOCUPA COM A GENÉTICA? E SE OS PAIS BIOLÓGICOS FOREM DROGADOS, BANDIDOS, ALCOÓLATRAS?
R: PRESTENÇÃO NO MUNDO CARA PÁLIDA...o que tem mais por aí, são pais se descabelando, por não saberem a quem seus pimpolhos biológicos puxaram. Quantos e quantos jovens, filhos de pais íntegros e sem vícios, aprontam todas e mais algumas.
(No meu caso: nenhum dos meus filhos tem vícios, aliás nem eu e nem meu marido. Não é por motivo religioso e nem cultural. Somos católicos, pouco praticantes e vcs sabem que até na missa tem vinho, já na parte cultural, eu e meu marido temos ascendência portuguesa, espanhola e italiana, olha o vinho aí outra vez, mas nós não gostamos, fazer o que? Genético eu sei que não é...rssss)
- E SE ELE QUISER CONHECER A MÃE BIOLÓGICA QUANDO CRESCER?
R: Ué, vou ajudar no que for possível. Ele vai deixar de me amar por causa disso? Se eu posso amar 3 filhos, porque ele não pode amar duas mães? Disse e repito, tenho medo que meus filhos amem de menos, amar demais podem e devem.
(No meu caso: Thiaguinho nunca quis conhecer a BIO, mas sempre deixei claro, que ela não o entregou a mim porque quis, e sim porque não via outra saída. Cada um tem uma maneira de fazer e sentir as coisas. Talvez eu, na pele dela fizesse o mesmo, é fácil ser bom quando se tem tudo, e eu sempre tive tudo, logo não temos como nos comparar.)
E QUANDO VIEREM OS SEUS FILHOS BIOLÓGICOS? VOCÊ NÃO ACHA QUE VAI GOSTAR MAIS DELES?
R: Aveeeeeee-mariaaaaa...aqui em casa não temos fita-métrica para amor. Desde que mundo é mundo, tem gente se descabelando, matando, raptando por “amor”, e geralmente não são do mesmo sangue. Quantas e quantas vezes, em famílias 100% bio , um filho se dá melhor com a mãe, outro com o pai, aliás conheço casos, de mães e pais, que não se dão com determinado filho ou filha de jeitoooooo nenhummmm. Isso significa que não amam?
Já pararam pra pensar, no número absurdo de pais e filhos bios, que tem se matado? E adotados, muito poucos não é?
(No meu caso: Thiaguinho cresceu, vendo o quanto eu e seu pai nos amávamos...ops, nos AMAMOS, sempre soube tb, que ñ tínhamos nenhum laço sangüíneo, logo, ter ou não o mesmo sangue, para nós é fator irrelevante.)
-A experiência de amar, pura e simplesmente é inexplicável, a adoção é um amor sem rótulo, ou seja, você não ama, pq é seu filho biológico, ou porque é rico, ou porque é lindo de morrer, ou porque vc pariu então tem obrigação de amar. Na adoção, vc ama aquele serzinho, porque quer amá-lo e pronto.
-Quando a criança que você escolhe tem uma história sofrida, você de bandeja aprende a seguinte lição: nem tudo que parece bom, é bom e nem tudo que parece ruim, é ruim. No orfanato uma senhora comentou conosco, que achava que qualquer criança, teria mais chances de sair dali que meu filho, por causa dos problemas de saúde, foram justamente esses problemas, que me fizeram tirá-lo de lá.
-Bons exemplos valem muito mais do que palavras, se você já tem, ou pretende ter filhos biológicos, todos sairão ganhando. Esse ano minha filha ao sair da faculdade, achou na rua um cachorro já grandinho, coberto de sarna e bicheiras, nem de pé ficava mais. Tentou falar comigo mas não conseguiu. Foi num petshop, pediu o carro e o motorista emprestados, para ajudá-la a pegar o cachorrinho. Levou para uma clínica, negociou uma diária mais em conta pq, provavelmente o tratamento seria longo.O veterinário não deu muitas esperanças, mas começou a fazer o que podia. Quando eu cheguei em casa, Thiaguinho começou a me contar, que a irmã havia ligado e falado do cachorrinho. Carina chegou da faculdade, contou toda a saga e receosa que ficássemos chateados ( já tínhamos uma vira-latinha, uma gata ambas encontradas na rua e um mastiff inglês) deu a sugestão, de que cuidássemos dele e depois levássemos para uma feirinha de adoção, seríamos um “lar temporário”. Thiaguinho imediatamente falou: “Lar temporário pra mamãe??? Lar temporário pra ela, vai ser de 18, 20 anos.” Risos generalizados, lógico. Quando eu e meu marido ficamos a sós, ele todo orgulhoso disse: “É estamos plantando sementinhas”.
Num mundo com tanta crueldade explícita, é um bálsamo encontrar jovens que se compadecem do sofrimento alheio, seja ele de uma criança, animal ou idoso.
Torço muitíssimo, para que iniciativas como esta blogagem coletiva se multiplique e mais do que isso, que as pessoas cada vez mais encontrem ou quem sabe descubram, a alegria de se sentir verdadeiramente “fazendo a diferença”.