Vou de Táxi - VI
Natureza

Vou de Táxi - VI


"Mas a gente não escuta só as palavras: a gente ouve também os sinais."
Martha Medeiros

Nestes últimos dias tenho utilizado bastante o serviço de táxis, e como sempre, puxo conversa com o taxista e tanta coisa interessante tenho ouvido, tantas trocas de ideias, conhecendo cada vez mais esta classe que, algumas vezes se apresenta com péssimos profissionais, interesseiros ou sem cuidados ao volante, escalafobéticos ou cafonas com penduricalhos pendurados, alguns caladões, outros loucos para um bate papo, típica cara urbana de uma cidade paradoxal, caótica e instigante como o Rio de Janeiro. Porém, em contrapartida, encontro motoristas que me surpreendem pela educação e postura ou a história de vida peculiar que apresentam. Uma dessas histórias ouvi esta semana de um motorista chamado Silvio, que trabalha na Candelária, centro nervoso do Rio. Um homem jovem e com uma bagagem de vida interessante e admirável.
E foi assim, resumidamente:

- Olha, eu vou contar essa história lá no meu blog, hein!
- Pode contar, dona, é a minha história, a minha verdade.

Para variar, o assunto começou por causa do trânsito ruim que eu já havia pego até ali e que ele, grande conhecedor do tráfego complicado da cidade, me garantiu que indo pelo Aterro do Flamengo não pegaríamos engarrafamentos até Botafogo. E lá fomos nós, batendo papo.

- Eu já fiz de tudo nesta vida, antes de trabalhar aqui no táxi, dona. Fui faxineiro, office boy, quitandeiro, trabalhei em contas a pagar de uma  empresa e aí, dei um basta em tudo, pedi minhas contas ao chefe, não disse pra onde ia e fui.  Liguei pra minha mulher e mandei ela arrumar as malas.  Desesperada, resmungou que estava com a máquina cheia de roupa molhada e não podia sair assim. Eu lhe disse que se ela não estivesse lá embaixo na hora que eu chegasse que iria sozinho e ela ficaria.

- Mas, para onde você ia?
- Minha mulher arrumou as malas, desceu despenteada, arrumando a roupa, entrou no carro e eu disse a ela:
Vamos pra Paraíba!
- Mas, como assim, você é da Paraíba?
- Não, dona, não sou e nem tenho ninguém por lá!  Mas, eu surtei, precisava parar com aquela vida igual todos os dias, não aguentava mais ficar até altas horas num escritório, fechando contas e mais contas.
Fui pra Paraíba porque um amigo meu, caminhoneiro e paraibano, vivia dizendo que lá era muito bom e bonito e me orientou todo o caminho.  Então, fomos, eu e a mulher, passamos uns dois meses lá em cima, rodando desde a Paraíba a outras cidades daquelas bandas.  Foi bom demais! Quando voltamos, decidi trabalhar no táxi e estou aqui até hoje e satisfeito, não me estresso com nada porque se estressar, largo tudo amanhã mesmo e procuro outra coisa pra fazer.

- Eu acredito, claro, você parece ser mesmo decidido no que faz.
- Bem, a gente faz isso quando tem um grande amor e sabe que pode contar com ele pro que der e vier e minha mulher é assim, sempre junto comigo.

- Que legal, adoro saber de casais que se entendem e são parceiros na vida para as horas boas e ruins!

- Mas, a senhora sabe que eu lutei por isto! Tive que abrir mão de minha família, meu pai, principalmente, porque ele era um militar, daqueles que mandava e desmandava dentro de casa e, eu, branquinho como a senhora tá vendo, me apaixonei por uma negra.  Minha mulher é bem pretinha e eu amo aquela danada!

Eu juro, minha gente, é a mais pura verdade o que lhes conto aqui, se quiserem conferir vão até a Candelária e procurem o motorista Silvio que me contou tudo isso, entusiasmado com sua história e seu amor.

- Meu pai disse pra mim: Como ousa me desafiar, dentro da minha própria casa, e querer se casar com uma negrinha!  Ele era racista, dona, muito racista mesmo.  E eu disse a ele: Sinto muito meu pai, mas sem querer lhe ofender, não vou desistir da mulher que eu quero e foi aí que abri mão de tudo e fui morar com ela na favela. Sofremos o pão que o diabo amassou, mas nunca voltei lá pra pedir nada a ele. Toquei minha vida com minha nega e somos felizes até hoje.

- Maravilhosa história Silvio, você é mesmo um homem de fibra.  E, hoje, ele já entendeu o amor de vocês?

- Ah, dona, ele já morreu!  Morreu e nunca foi lá nos visitar e nem quis saber mais de mim, seu filho único.
- Poxa, que coração duro do seu paí, hein?!
- Mas, acontece que ele deixou bens para mim. Quando o advogado me chamou para conversar e mostrar o que tinha ficado em meu nome, ouvi tudinho enquanto pensava: eram três apartamentos, um na Tijuca, outro na zona sul e um outro, onde ele gostava de passar férias em São Lourenço-MG.
Eu disse ao advogado que venderíamos os dois apartamentos do Rio e que o dinheiro seria doado à uma instituição que meu próprio pai ajudava fazia tempos. Dei todo o valor dos apartamentos para a instituição e ficamos apenas com o de São Lourenço que vez ou outra, eu e minha nega vamos pra lá, relaxar.

- Incrível seu desprendimento!  Mas, não quis ficar com nada?

E aí a resposta maravilhosa que veio e que nunca mais esquecerei, pois nela está contida toda a essência da vida e de um grande amor:

- Mas, eu já tinha tudo o que eu queria. Não precisava de nada, dona!

E esta foi mais uma história em dia de caos urbano nesta cidade linda, louca, pulsante de vidas e suas tantas idiossincrasias.



P.S.:
Silvio tem 45 anos, um filho de 25, formado, casado e com um filhinho.
Tem uma filha adotiva de 23 anos e que se formará até o final do ano em Medicina.
Tem um quarto da casa com mais de 400 carrinhos miniaturas, um hobby que ele adora e não deixa criança mexer, tem uma plaquinha na porta avisando para não entrar sem permissão.









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