Saudade é no singular
Natureza

Saudade é no singular


(Foto Remi Aerts/Bélgica)


"Numa casa portuguesa fica bem pão e vinho sobre a mesa.
Quando à porta humildemente bate alguém,

senta-se à mesa co'a gente.

Fica bem essa franqueza, fica bem,
que o povo nunca a desmente.
A alegria da pobreza
está nesta grande riqueza de dar e ficar contente.
Quatro paredes caiadas, um cheirinho à alecrim,

um cacho de uvas doiradas, duas rosas num jardim,
um São Pedro de azulejo, sob um sol de primavera,
uma promessa de beijos, dois braços à minha espera.

É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!

No conforto pobrezinho do meu lar,

há fartura de carinho.

A cortina da janela e o luar,
mais o sol que gosta dela...
Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar uma existência singela...
É só amor, pão e vinho
e um caldo verde verdinho a fumegar na tigela."



Em algum momento neste final de semana pus-me a cantarolar esta música portuguesa que não me saiu da cabeça depois que li um trecho do livro que levei para as noites tranquilas lá na serra. Os mais jovens que aqui frequentam não devem conhecê-la, mas ela fez muito sucesso no passado e na minha infância, no convívio que tive com várias famílias lusitanas, volta e meia ouvia alguém cantarolando um pedacinho dela. Acho-a linda e tem tudo a ver com o modo de viver dos portugueses, simples e caloroso.


Eu via e sentia como aquelas pessoas tinham amor pelo seu país e viviam contando casos ou recitando versinhos bem ao seu estilo, fazendo comidas com gosto da terra distante(eu adorava a filhóses que Dona Deolinda fazia), usando a maneira de seu povo nas suas expressões do dia a dia. Só agora que entendo melhor a vida, imagino a medida exata para avaliar as suas perdas e seus sentimentos. O Atlântico é o mesmo oceano que separa estes dois países irmãos, mas a cultura deles é muito diferente da nossa e eu não entendia porque moravam todos uns em cima dos outros, quer dizer, construiam sempre mais um puxadinho para um filho que casava ou algum parente que chegava de Portugal. Era um tempo em que a família abrigava as pessoas. Atualmente ainda vemos alguns morando com avós, pais, filhos e netos e, geralmente muito felizes em suas relações afetivas.


Lembrei-me de um fato interessante que um dia uma amiga que nasceu lá, acho que é Trás dos Montes, contou-me. Veio ainda bebê com os pais aqui pro Brasil começarem uma nova vida depois da Segunda Guerra Mundial e, tanto seus pais quanto ela própria sonhavam um dia poder voltar à querida terrinha e reverem os lugares lá deixados, os parentes, suas raízes, enfim. Seus pais foram uma única vez e não mais voltaram, viviam das lembranças e do contato que faziam das cartas e telefonemas. Fincaram os pés aqui na terra brasileira e criaram seus filhos. Assim que teve uma oportunidade foi com seu marido em viagem à Portugal nos idos de 80, levando presentes brasileiros para a avó, tios e primos. Passaram por lá uns vinte e poucos dias, comendo batatas, azeitonas graúdas, bacalhau regado a azeite puro. Depois de uma dezena de dias já estavam enjoados daquilo, pois na aldeia que os parentes moravam não tinha lá muita variedade e quase todos os dias vinham as batatas cozidas, que já não surtiam o prazer das primeiras vezes. Chegaram a ter um certo 'piriri' de tanto azeite que ingeriram. Claro que hoje, até mesmo as aldeias têm variedades comestíveis e até de países distantes.


Mas o que os marcou profundamente foi perceberem que nas conversas com os tios e primos, não eram mais considerados portugueses e sim brasileiros. Ficaram confusos, coitados, pois os dois, ela e o marido, eram registrados como portugueses, viveram aqui no estilo português, com seus pais legitimamente portugueses e com sotaques completamente distintos do português brasileiro que falamos. Voltaram pro Brasil meio decepcionados em descobrirem que não tinham mais uma nacionalidade definida - lá não eram portugueses e aqui não eram brasileiros - foi então que resolveram se naturalizar de vez brasileiros e acabar com essa história.


Hoje, muitos brasileiros sairam do Brasil em busca de novas e boas oportunidades no exterior. Alguns não podem voltar com tranquilidade ou porque estão ilegais ou não têm condições financeiras para bancar passagens de ida e volta facilmente e há aqueles que podem e estão sempre vindo, mesmo vivendo felizes e com as vidas estabelecidas, às vezes até famílias prontas com filhos nascidos em outro país, mas todos, sem exceção, volta e meia usam a palavra que só existe na nossa língua e que é usada no singular para expressar tudo aquilo que vai na alma com relação ao Brasil - Saudade - sem o s, pois saudades, no plural, são lembranças, cumprimentos que se mandam.


Vejo que ocorre então um movimento contrário aquele do meio do século passado e que com a globalização fortaleceu-se em todo o mundo. Penso, como será a visão daquele que passa muitos anos fora daqui e quando retorna, mesmo vindo com tanta saudade, o que sente diante do país atual que também está diferente nas mudanças sociais e culturais, devido a todo este movimento global! Por um acaso sentem-se assim, meio divididos, brasileiros lá fora e aqui um estrangeiro?!

"Onde você se encontra, onde você está, é exatamente aí que está sua vida, não importa quão penosa esteja sendo ou quão prazeirosa. Isso é o que é."
(Taizan Maezumi, Ensinamentos da Grande Montanha, Editora Religare)

(Ao fazer este post lembrei-me com saudade de meus amigos de sempre, portugueses e brasileiros de coração, e homenageio Dona Deolinda, Sr. João, Tereza, Lourdes, Belarmino, Maria, Fátima, Vera, Sr. Ernesto, Dona Rosa, Sr. Joaquim e Dona Alina).









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