A Menina que odiava Boleros
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A Menina que odiava Boleros


Ícones inesquecíveis dos anos 60
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Os aniversários da priminha eram sempre um suplício para a jovem de 15 anos, afinal boleros e outros ritmos daquela época, tocados em profusão e repetidos por várias vezes na vitrola da tia, doiam seus ouvidos que só queriam ouvir Beatles, Marmalade, Bee Gees ou qualquer outra banda que embalavam os dias e noites da turminha adolescente nos anos sessenta.  A menina tinha vontade de gritar "Socorro, tirem-me daqui urgente!"

Quem aguentava ouvir Besame Mucho ou Perfídia, boleros consagrados na década de 40 e que reinavam soberanos no Brasil numa época em que a galera só queria saber do garoto que amava os Beatles e Rolling Stones e foi pra guerra lutar?  A guerra mesmo, ninguém queria fazer ou saber qual era, a que estava acontecendo lá num país de nome estranho, quase exótico, Vietnam.

A tia atacava na festa da filhotinha de 3 anos, de Altemar Dutra, Agnaldo Timóteo, sambistas e Ângela Maria que em plena festinha entoava Gente Humilde, deixando todo mundo a pensar com lágrimas nos olhos ou, quando muito, para levantar os ânimos, virava o disco e entrava com Babaluuu. Aí melhorava um pouquinho, porque jovem adora imitar agudos e Ângela Maria era a rainha no gênero.

Enquanto a "sapoti" rodava na vitrola, a tia servia desde cachorros-quentes a um salgadinho no espeto, com cenoura, cebola, azeitona e salsicha de nome cochichado entre as mulheres porque era considerado um palavrão - sacanagem - era esse o nome do espetinho e a jovem não entendia por quê era assim conhecido, tampouco gostava daquele petisco. O que ela gostava mesmo era de bebericar, lá na cozinha da tia, longe dos olhos dos pais, um drink moderninho intitulado Cuba Libre ou a Batida branquinha, feita com cachaça e leite condensado, apelidada pelos cariocas de Calcinha de Nylon. Ui, aquilo era uma tremenda infração que um adolescente poderia cometer naqueles idos! Valia a pena arriscar, era muito gostoso.

Naqueles tempos as festas infantis eram feitas nas casas dos pais. Doces e salgados preparados pela mãe com ajuda de uma irmã ou alguém da família, os convidados eram, na maioria adultos, as crianças faziam gracinhas pra lá e pra cá e não existia essa coisa boa de animadores para entreter a garotada ou musiquinha infantil, isso só começou  na década de 80 junto com Xuxa e outros 'xatos' similares.
Os adolescentes tinham que ouvir o que os adultos gostavam e não era nada fácil, principalmente porque as músicas soavam enfadonhas e ultrapassadas aos dias revolucionários e aos anos rebeldes que começavam a acontecer pelo mundo. A festa só ficava um pouquinho melhor, quando ouviam Sérgio Endrigo ou qualquer outra música italiana. Rita Pavone então, era um alívio total!

A jovem sempre levava consigo alguns disquinhos, daqueles que tinham música de um lado e do outro, duas apenas, e era uma troca rápida, meio escondido, quando acabava uma daquelas músicas de adulto.  Num ou outro intervalo musical, sem que ninguém percebesse, ela corria até a vitrola e colocava seus compactos, eram assim chamados aqueles disquinhos. Mas, logo vinha um tiozão ou tiazona que mudava o esquema e voltavam os boleros a rodar nas noites mornas do aniversário da priminha em pleno janeiro.

O mundo girava lá fora, uma revolução cultural e espacial estava acontecendo, Yuri Gagarin confirmava pra todo mundo que a terra era azul, ideias de liberdade em muitos sentidos afloravam no mundo ocidental pós guerra,  e sentia-se a pressão disso aqui também no Brasil, e o único jeito de dar voz aos jovens era através da música e do novo estilo de dançar e se vestir.

A jovem sentia tudo isso borbulhando dentro dela.  Ao redor poucos pareciam perceber o que ela e mais alguns sabiam que estava por vir. Encaminhou-se para a vitrola da tia, enquanto todos conversavam animadamente, e junto com a música, bem alto, gritou: "Help, I need somebody!  Help, not just anybody
Help, you know I need someone, help!"


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Para entender melhor a importância do Rock nos anos 60 e esta Revolução Cultural, leia tudo neste link.

Aqui a música que serviu de inspiração para o conto acima.










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