A Distância entre Nós - parte 3
Natureza

A Distância entre Nós - parte 3


Imagem-Txema Rodriguez



Quem já me visita há tempos, sabe da história da Gracinha que contei aqui e aqui, minha faxineira de todas as terças-feiras, gente boa, super trabalhadora, lutadora, mãe e acima de tudo uma sofredora.
Acho que sofre desde que nasceu naquele sertão paraibano, advinda de uma família pobre, sem instrução e pouca cultura. São as tais 'heranças' que o povo humilde recebe, sempre vindo e indo para novas gerações. Digo isso por perceber que sua história de vida já é vivida pela filha adolescente, de 17 anos e grávida. O mesmo aconteceu a ela, Gracinha, mas a mãe a botou fora de casa e deu este primeiro filho, nunca mais soube do paradeiro da criança. Sua vida continuou, foi trabalhar e viu que o mundo era muito grande e espaçoso, daí veio para o Rio e achou alguém que falava parecido, pensava parecido e tinha histórias de família semelhantes. Tiveram dois filhos e hoje estão aí, procriando e vivendo quase da mesma maneira miserável
que seus antepassados.

Só que viver numa cidade gigante e se envolver, ou melhor, ficar, como fazem os jovens atuais, pode ser ainda mais perverso para uma adolescente pobre nos dias de hoje, pois a filha da Gracinha não sabe nem quem poderá ser o pai deste filho que espera. Aliás, não quer nem saber e como diz a Gracinha; "saber pra quê, se deve ser um traste qualquer que não ajudará em nada?!"
Os bailes funks da periferia onde mora, esconderá a sete chaves este segredo. E quando chega de madrugada, cheirando a álcool e a mãe está indo para o trabalho, há apenas um olhar perdido dela encontrando-se ao mesmo tempo com de sua mãe que não sabe mais o que dizer diante desse fenômeno tão perturbador que atinge não só a sua filha, mas a milhões de outras moças nestas periferias abandonadas deste Brasil.
Coisa triste, né mesmo!

Bem, estou lhes contando esta história, mas não é nenhuma novidade, pois a Rede Record da vida, mostra todo santo dia algo parecido, agora até em horários que antes não eram permitidos mostrar certo tipo de reportagens, inclusive como a que estava passando hoje pela manhã sobre drogas e prostituição de adolescentes na Paraíba. Eu vi um pedaço e tratei logo de sair da cozinha, onde a Gracinha estava e via a tal reportagem. Coisas tão bizarras e tristes aquela hora do dia, sendo mostradas, não sei se para alertar, para ajudar ou fazer o sensacionalismo de sempre, atrás de audiência, enviando imagens terríveis de nosso caos social para o mundo inteiro.
Sabe-se que esta rede de televisão entra na Europa de graça, assim um português ou qualquer outro europeu que acessar este canal poderá ver estas e outra desgraças deste país que tem tantas coisas lindas e importantes para serem mostradas ao exterior, mas prefere enviar as desgraças deste povo desassistido e sem amparo.

Voltando à Gracinha e sua triste sina, agora perpetuada pela filha, fico sem ação diante da revelação que ela me faz e que suspeitava há duas semanas, de que a adolescente está grávida de 5 meses e que não era muito notado, pois a mesma sempre foi gorducha e ficava difícil perceber, mas diante de suas poucas saídas nas noites, a Gracinha começou a achar que algo estranho estava acontecendo e ontem, quando uma outra amiga de sua filha que também está grávida e levou-a a fazer um ultrasom, foi detectado que a moça está com todo este tempo de gravidez.

Rebelde e sem maturidade não consegue conversar com a pobre mãe, talvez ela (Gracinha) também não saiba conduzir o assunto, afinal em seu tempo não houve "papo" e sim uma ação cortante, na raiz, bem ao modo das pessoas daquela época no interior, mas que talvez tenha sido a saída para o amadurecimento da Gracinha, fazendo com que ela crescesse e fosse trabalhar ao invés de só namorar e engravidar.

E eu, tento conversar, jogar idéias, propor que a menina leia nas "lan houses" que frequenta na favela onde mora, alguma coisa em sites direcionados a moças adolescentes pobres e grávidas. Escrevi um site para que ela leia e se oriente.
Falei a ela também da necessidade que neste momento há em se entenderem como seres humanos que são e deixar de lado as críticas, mas pensar que dentro daquela menina está sendo gerada uma criança e que, mesmo nascendo na pobreza, se tiverem cuidados agora na gravidez e depois, evitando brigas, gritos e xingamentos, poderá trazer um bem-estar afetivo para todos e quem sabe um diálogo esclarecedor poderá salvar a cabecinha desta jovem tão sem rumo.

Gente, esse problema social dos dias atuais tem se alastrado de forma absurda e quase incontrolável, mesmo havendo tanta informação através das mídias, pois parece não alcançar estes lugares onde os bailes, as drogas, a permissividade nas formas de educação que foram mal interpretadas, levando milhares de jovens a terem comportamentos influenciados por filmes ou novelas, fatores esses que já foram até objeto de estudos e teses, mas que ainda não conseguem ser modificados nestes meios. Há uma linha tênue que faz com que misture-se progresso, modernidade, permissividade e liberalidade. Claro que não é só no meio pobre que isto existe, atinge também aos jovens e famílias que não conversam, que não orientam e que vivem num mundo supérfluo e de sonhos.

No caso da Gracinha e sua família, o mundo de sonhos deles é este, com pouca perspectiva de um futuro palpável e um total estado de abandono social. A filha reproduz os mesmos sentimentos e caminhos que sua mãe deixou como rastros nesta vida. Penso que quando estas jovens engravidam, teem a falsa impressão de que irão fazer um filho diferente, com vidas diferentes das suas, buscam inconscientemente aquele mundo tão sonhado para si mesmas.

Sinceramente, estou comovida e ao mesmo tempo desolada com tamanha miséria humana!


(Imagem daqui)

Se alguém tiver alguma boa idéia do que falar ou fazer nestes casos para orientar a Gracinha, deixe aqui seu comentário. Obrigada.





loading...

- A Gracinha De Todas As Semanas
Ela chega cedo, um pouco antes das 7 da matina, sempre esbaforida. Assim que abro a porta e dou meu habitual bom dia, ela responde e entra como um furacão cozinha a dentro.  Vai direto para a varanda dos fundos, abrindo a porta que dá para a...

- Aprender A Morrer Antes De Morrer
Presumo que todos as pessoas que têm animais em suas casas, principalmente os de estimação, sofrem muito com a ausência do mesmo quando se vai. E comigo não está sendo diferente, pois desde a sexta-feira que a toda hora me vem a imagem da Emmy...

- Mulher-profissão-mulher
(Daniel Ely no parquinho-1985) São onze horas da manhã e passo em frente a um prédio novo aqui da esquina. Este prédio parece moradia de casais jovens, na faixa de seus 30 e poucos anos e têm muitas criancinhas brincando no play ground, acompanhados...

- Gracinhas Da Gracinha
- Pois é, meu patrão tem um bar daqueles cheinhos de taças na casa dele, num sabe? - Sei sim, Graça. Elas ficam penduradas de cabeça prá baixo, né. - É. Mas estas taças estavam mesmo numa bandeja e eu fui limpar elas, aí derrubei uma garrafa...

- A Distância Entre Nós
Ela chegou assim meio esbaforida, tanto do calor que já fazia aquelas horas, quanto pela explicação que queria me dar pelo atraso, pois já eram quase 10 da manhã. Tô falando da minha nova secretária do lar, melhor dizendo, faxineira mesmo. Ela...



Natureza








.